quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mais uma do prefeito Leonardo Coelho de Brito

O prefeito de Alcobaça em suas atribuições, abriu vagas para concurso público e seletiva, todavia ele se esqueceu que no concurso anterior tem vagas que, ainda, não foram preenchidas pelos aprovados em concurso anterior, pois não foram preenchida porque não foram convocados por edital para a posse.

Boa tarde

O ano de 2011 está chegando ao fim, mas a nossa luta continua.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

(In)Disciplina: fator que causa dificuldade de aprendizagem


(IN) DISCIPLINA:
 FATOR QUE CAUSA DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ENTRE OS ALUNOS DO CENTRO EDUCACIONAL DE ALCOBAÇA
Zenaide Miranda da Rocha Franco[1]
RESUMO
O objetivo deste artigo é focalizar a questão da indisciplina dos alunos do Centro Educacional de Alcobaça e as implicações da mesma para o processo ensino-aprendizagem. As informações obtidas no decorrer dos estudos realizados na expectativa de aprimorar conhecimentos sobre a indisciplina escolar. Portanto, faz-se necessário definir o que é indisciplina sob a luz das concepções dos autores Vasconcellos, La Taille e Devries & Zan. Tem por propósito analisar como a indisciplina interfere no aprendizado dos adolescentes das séries finais do ensino fundamental da escola CEA. Aponta possíveis soluções para a questão da indisciplina na escola por meio de aula dinâmica e respeito mútuo. Esse trabalho proporcionou mais segurança e conhecimento em relação o tema pesquisado e servirá para a prática no dia-a-dia na sala de aula. Uma vez que sempre se depara com problemas (in) disciplinares no contexto escolar.
Palavras-chave: (In)disciplina. Aluno.  Conhecimento.




INTRODUÇÃO



Abordar a indisciplina entre os alunos do Centro Educacional de Alcobaça é ter consciência sobre a qualidade do aprendizado nessa escola, as vertentes abordadas são na perspectiva de partida para adquirir novos conhecimentos, por meio de abordagens interativas no ato educativo. A indisciplina constitui um dos problemas graves que a Escola CEA enfrenta, por isso não pode ser isolada do sintoma que a própria produziu, quer em termos de falta de imposição de limites, conteúdos ou de trabalho em sala de aula.
A escolha pelo tema ocorreu devido à percepção de grande quantidade de professores que reclamam estarem passando por momentos difíceis na sala de aula com alunos (in) disciplinados, que não respeitam, e não são capazes de respeitarem os outros. Alunos transitando pelos corredores da escola sem demonstrar interesse pelo estudo, deixando o nível do aprendizado abaixo do esperado, inquieta, indigna e mexe com o cidadão que vê sua contribuição para a melhoria da educação desabar, todavia a qualidade da educação dos alunos elencados na Escola CEA melhorará a partir do momento que os envolvidos no processo ensino–aprendizagem assumirem o compromisso esperado.
Espera-se das escolas exigência de disciplina para a melhoria no aprendizado tratando de uma escola comprometida com a socialização do saber elaborado na busca da qualidade do ensino preocupada em desenvolver uma aprendizagem sólida e duradoura, em especial com os alunos provenientes das classes trabalhadoras. O levantamento das possibilidades de solução para os constantes atos de indisciplina que acontecem na Escola CEA e para malear as dificuldades nas produções textuais e leituras nos quais os alunos indisciplinados demonstram relutância em aprender, faz parte da abordagem deste artigo.

1 (IN) DISCIPLINA FATOR DE DIFICULDADE NO APRENDIZADO


Atos indisciplinados intencionais e freqüentes prejudicam a moral de uma escola, opõem frontalmente aos propósitos educativos que é a própria razão de ser do estabelecimento, a indisciplina deve ser combatida e eliminada. Os atos de indisciplina praticados pelos alunos do CEA são percebidos como atitude de desrespeito, intolerância e do não cumprimento de regras capazes de orientar a convivência de um grupo. Regras elaboradas para ser obedecidas no cotidiano para a busca de uma produção escolar de qualidade. 
Os atos indisciplinados são conseqüências inevitáveis de condições e fatores desfavoráveis que estão atuando sobre o psiquismo dos educandos, ameaçando desintegrar sua personalidade e o desajuste da vida escolar. Importa que os professores encontrem o entendimento sobre os fatores favoráveis a (in) disciplina para eliminar ou atenuar a situação antes de recorrer a sanções ou medidas punitivas drásticas que não funcionam a não ser em via de exclusão.
A qualidade do ensino da Escola CEA é assunto para relevantes discussões, espera-se que os alunos aprendam a ler, produzir e interpretar textos, porém essa realidade é distante das dos alunos elencados nessa escola, fatores favoráveis à indisciplina no CEA são falta de interesse, desmotivados, professores despreparados para trabalhar em meio à situação caótica que os envolve na árdua tarefa de educar. La Taille (1994, p.49-50) esclarece que:
Lembrar e fazer lembrar em alto e bom tom, a seus alunos e à sociedade como um todo, que sua finalidade principal é a preparação para o exercício da cidadania. E, para ser cidadão, são necessários sólidos conhecimentos, memória, respeito pelo espaço público, um conjunto mínimo de normas de relações interpessoais, e diálogo franco entre olhares éticos.

Os discentes e os docentes do CEA precisam descobrir qual é o seu verdadeiro papel diante do processo educativo, pois a bagunça prevalece. Os alunos do CEA não têm respeito pela figura do professor que era sinônimo de respeito, de promessa de um futuro melhor, agora pela desvalorização do status da profissão professor, juntamente com a quantidade de diplomado sem emprego ou mal remunerado quebrou o encanto da personagem fonte de inspiração, esse desengano contribui com a indisciplina nos quais os alunos questionam o que fazer na escola? Para quê estudar? Esses questionamentos sem resposta, desestimulam e leva os alunos a desordem total, portanto cabe a escola traçar metas para voltar o olhar do alunado para o aprendizado como sendo este o início de seu futuro intelectual e social. Em referência à ascensão social Vasconcellos (2006, p.27-28) apregoa que há algumas décadas atrás, tínhamos:

Valorização social da escola enquanto instrumento privilegiado de ascensão social; status, valorização do professor; formação mais consistente; remuneração mais condizente; a escola via o professor como fonte privilegiada de informação; apoio incondicional da família à escola [...] Outro fator para a crise da disciplina na escola e na sala de aula está na queda do mito da ascensão social através da escola. Até alguns anos atrás, a escola não era também um espaço agradável, mas os alunos tinham uma motivação extrínseca ser alguém na vida. Atualmente, com a queda deste mito, fica muito mais difícil para o professor conseguir um comportamento adequado do aluno, ainda que de passividade.

Mediante a desvalorização profissional do professor os jovens não percebem mais a educação como sendo a única fonte de ascensão social, a malandragem fornece mais subsídio de ascensão social, portanto dificulta o trabalho educativo, em contrapartida com o modismo que a educação infelizmente, ainda, insiste em cultuar que são as aulas monótonas no qual o professor usa argumentos ultrapassados e lousa, sendo que fora da escola os jovens têm maturidade e responsabilidade para sair, comprar, divertir e manusear equipamentos tecnológicos que dão margens aos sonhos de ascensão social, a escola não tem nada de novo a oferecer a não ser represália e poda dos sonhos por meio de regras descabidas, desta forma os jovens perdem o encanto e não percebe razão para permanecer na escola.


1. 2     O cotidiano escolar: suas regras e normas

Normas propostas para impor a organização do ambiente escolar não são apresentadas, portanto não há motivo para obediência, entre os adolescentes da Escola CEA a regra é não ter regras, interesse por aprender, compromisso a não ser com a bagunça, conforme afirma La Taille (1994, p.79):

Para estabelecer os limites em sala de aula ou na escola, o professor vale-se das regras, que visam contribuir para a organização do ambiente de trabalho, promover a justiça, fomentar a responsabilidade por aquilo que ocorre na classe e o comprometimento de todos com os procedimentos e decisões referentes à sala de aula.

A bagunça contribui para o aumento das dificuldades no aprendizado, a melhoria na qualidade da educação acontecerá mediante a elaboração de regras de conduta em conjunto escola e representantes de alunos para diminuir ou eliminar a indisciplina, para que o conhecimento aflore entres os adolescentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
As regras vigorantes na Escola CEA são combinados elaborados entre professores e alunos nos quais ambos se beneficiam, ordenando as relações. Esses combinados não são rígidos, estáticos ou pré-estabelecidos, nem privilegiam alguns em detrimento de outros. Com o tempo se algumas regras não estão dando certo ou prejudicando alguns integrantes, o combinado é analisado, revisto e, se necessário, reelaborado. A flexibilidade existente nos combinados ou a adequação às necessidades particulares de cada grupo; a participação ativa dos alunos na elaboração; a regularidade; e o seu cumprimento por parte de todos que o integram, são alguns dos princípios que regem as regras da Escola CEA, mas infelizmente a maioria dos alunos insiste em não cumprir.
Em consonância com VASCONCELLOS, (2006) as regras estabelecida nos combinados e elaborada em conjunto devem ser assumidas por todos e ficar em local visível e registrada no caderno para ser revista sempre que necessário, pois é deseducativo jogar as responsabilidades e problemas para outrem. As regras, em qualquer situação precisam preservar e propiciar ao sujeito o respeito por si próprio e pelo outro. O professor compreende que as regras contidas nos combinados auxiliam na construção de um lugar de interação, portanto, não deve elaborar normas supérfluas ou descabidas. Devries e Zan (1997, p.130) explicam sobre o envolvimento do educando nas tomadas de decisões:

O objetivo geral de envolver as crianças em tomadas de decisões e estabelecimento de regras em suas salas de aula é contribuir para uma atmosfera de respeito mútuo nas quais professores e alunos praticam a auto-regulação e a cooperação.
Questionar sobre a coerência das normas, se são justas e necessárias, negociáveis, se foram elaboradas de forma democrática, se fundamenta em princípios, se respeita às características do desenvolvimento infanto-juvenil dos estudantes. A participação dos educandos na elaboração das regras de conduta é uma das formas de cumprimento das mesmas, sendo necessário à mediação do professor para que o aluno não insira normas que não serão obedecidas.


2 (IN) DISCIPLINA OU INSTRUMENTO DE FLAGELAÇÃO NO MEIO EDUCACIONAL
                                                                                                       

O que mais provoca a indisciplina é a não definição do que é disciplina, o equívoco dos educadores é acreditar que qualquer manifestação é indisciplina, se não definem coerentemente o que é indisciplina, como identificá-la, segundo o minidicionário Luft (1998, pp.247-386) é:

Disciplina é ramo do conhecimento, matéria (ensino); procedimento conveniente ou ordem requerida para o bom funcionamento de uma organização. Regra. Método. Submissão a um regulamento. Instrumento de flagelação usado por frades ou devotos. Indisciplina é a falta de disciplina; desordem; anarquia.

Essa pequena definição dada pelo minidicionário Luft, o mais utilizado na Escola CEA, demonstra o quão é limitada à visão dos professores que questionam a indisciplina dos alunos elencados neste estabelecimento. A disciplina está ligada ao processo de difusão e assimilação de conhecimentos bem como a efetivação consciente do trabalho escolar, o conhecimento não é adquirido à revelia, mas sobre a observância de certas ordens, sistematicamente organizadas. La Taille (1994, p.77) discorre sobre o conceito da disciplina no todo:
Se entendermos por disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas normas; 2) o desconhecimento delas.  No primeiro caso, a indisciplina traduz-se por uma forma de desobediência insolente; no segundo, pelo caos dos comportamentos, pela desorganização das relações. 

Portanto, disciplina é a capacidade de renunciar a atitudes que somente propiciam satisfações pessoais e prejudica a outros, a disciplina não se cria com medidas, mas com todo conjunto trabalhando harmonicamente com objetivo de melhorar e crescer intelectualmente. La Taille (1998, p.147) afirma que:

Quando o aluno se comunica mesmo que tumultue a aula, não necessariamente é um comportamento totalmente negativo, pois é na sala de aula o lugar onde vai experimentar os valores e crenças de que é feita a sua cultura. Se ele perder o espaço público, perderá também o contato com os outros e certo senso ético: o ato indisciplinado é, enfim, uma força que precisa ser trabalhada a fim de explicar a que veio.

Entre os professores, ainda existi o modismo de que aluno bom e disciplinado é o quietinho que fica no canto da sala e não dá trabalho, infelizmente esses profissionais, ainda, são atuantes da Escola CEA, aluno bom, comprometido com o aprendizado é aquele que questiona, reivindica, compartilha suas dúvidas e seu saber, atrapalha a aula, aprende e permite aos colegas aprenderem por meios de seus questionamentos.


2.1 Sentidos e significados atribuídos à indisciplina escolar


O tema (in) disciplina é abrangente e atual que precisa ser visto sob outra ótica, que não seja a da punição, ao não saber lidar com ela torna um impedimento para a aprendizagem, mas ao tomar consciência de que pode ser controlada ela é utilizada para que o professor consiga sucessos perante seus alunos.
A (in) disciplina na sala de aula atrapalha no aprendizado, na atuação do professor gerando assim um grande desconforto. Essas desordens vêm prevalecendo e aumentando nas últimas décadas, a probabilidade de comportamentos ante-social é um indicativo de uma interação de fator ambiental.
XAVIER, (1997) defini a indisciplina de um modo geral como ausência ou negação de um comportamento desagradável. A maioria das respostas acusa falta de algo nos alunos com problemas disciplinares: falta de limites, de atenção, de organização do material, de material, de higiene, de respeito às regras, aos valores, aos colegas a aos professores. Deve-se tomar cuidado de não excluir alunos que pareçam desenvolver situações angustiadas em sala de aula sem concreto diagnóstico de sua condição, uma vez que a escola pode ser a última esperança do educando ser aceito na sociedade.
A (in) disciplina pode ser interpretada de forma positiva se vista como contra poder, pois se há ação também energia para a resistência ao poder como afirma Xavier (1997, p.337):

A (in) disciplina deve ser estudada com preocupações não da (in) disciplina pela (in) disciplina, mas antes como fenômeno perturbador da aprendizagem, como um incidente na fluência da aula e da comunicação professor-aluno ou aluno-aluno, que será tanto mais atenuado quanto mais cedo o problema for percebido pelo professor e antecipadamente superado. A liberdade é a condição essencial para a disciplina ser assumida, não na forma coerciva, mas como autodisciplina. Caso contrário terá de questionar sobre a viabilidade de formar cidadãos autônomos e respeitadores do outro quando, na escola, para alcançar estas finalidades, se recorre a processos coercivos e, até à agressão física.

A (in) disciplina em sala de aula decorre do enfraquecimento do vínculo entre moralidade e sentimento de vergonha La Taille (1998, p.271) declara que:
A (in) disciplina muitas vezes é gerada porque o aluno se sente inferior, por não conseguir agradar o professor no que lhe é proposto. Os educadores se encontram num verdadeiro dilema, só sabem reclamar dos alunos, mas não são capazes de identificar a causa do problema e tentar uma solução. Acabam rotulando os mesmos, por isso cada vez mais está tornando um problema polêmico, onde há uma frustração tanto para os alunos como para a família e para a escola.

O aluno que apresenta comportamentos de (in) disciplina necessita de uma atenção especial do professor, para levantar sua auto-estima ajudando a compreender que é capaz de superar.  Portanto, o professor precisa em primeiro lugar conquistá-lo, trabalhar valores morais do indivíduo dando credibilidade de participar e se integrar ao grupo.
Um grande elemento de relevância na sala de aula é a integração professor-aluno, na realidade, o professor e o aluno interagem não apenas através da matéria de ensino, e sim pelo respeito de ambas, se comunicando, e procurando entender um ao outro.
A indisciplina escolar pode ser identificada como um comportamento contrário ao desejado. O indivíduo que a cometem submete outras pessoas a passar por desrespeitos, não se limitam a cumprir regras, expõem uma conduta que destrói a integridade moral da sociedade.
Mas nem sempre a indisciplina é dada como uma atitude atroz. Pode-se identificar por ser uma forma de reivindicar o abuso de poder exercido por outros indivíduos delimitadamente só é interpretado como (in) disciplinado o aluno que não segue a vontade do professor, sendo assim, nota-se que pode existir motivos impostos pela má atuação do professor com a sua classe.
Segundo LA TAILLE, (1994) A indisciplina não é efeito de certas medidas disciplinares, mas sim de todo o sistema de educação, de todas as circunstâncias da vida, de todas as influências que os alunos estão sujeitos. Nesse sentido, a (in) disciplina não é a causa, não é o método, não é o meio de uma boa educação, mas o seu resultado.  Convívio coletivo e os mecanismos de interação requerem certa disciplina. Entendida aqui como um reconhecimento daquilo que é ou não permitido e o porquê disso. Importante é que a criança autônoma esteja a par das justificativas dos porquês dos sins e dos nãos.
A (in) disciplina existe, é fato, em momentos a técnica utilizada pelo professor é ridicularizada ou ignorada por alguns alunos mais rebeldes e, normalmente mais velhos. Mas, isso não impede na crença que com outros os bons resultados sejam alcançados. Basta insistir, do contrário é apenas brincar de educador, se por ventura desistir os alunos desistem. O professor é exemplo, mesmo quando não tem a intenção de ser.
                                           

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


O tratamento da temática indisciplina proporcionou um espaço para que favoreça nas atitudes a ser tomada pelos professores do CEA.
Na referência a disciplina a escola precisa ser um espaço de cultivo do espírito humanista, tolerância e do espírito de cidadania.
O estudo deste tema foi para contribuir com uma aprendizagem de qualidade partindo do pressuposto de que não existe qualidade em um ambiente de indisciplina e agressividade. Faz-se necessário buscar novos caminhos que levem a família, a equipe pedagógica, os professores e os alunos a assumirem o seu verdadeiro papel neste processo.
A (in) disciplina e a agressividade constituem-se um desafio para a escola, pois muitos alunos não respeitam seus professores, e essa indisciplina prejudica o ensino-aprendizagem. Professores têm dificuldade em estabelecer limites na sala de aula e não sabem até que ponto deve intervir em comportamentos inadequados que ocorrem nos pátios escolares.
Faz-se necessário recuperar a autoridade do professor, o que não significa ser autoritário. A Escola CEA, cuja tarefa é introduzir os alunos nas normas da sociedade, muitas vezes se omite. O professor perdeu a autoridade inerente a sua função. Quanto maior a perda, mais anárquica torna-se a aula. Faz-se essencial aos agentes da educação saber estabelecer limites e valorizar a disciplina, e, portanto faz-se necessário à presença de uma autoridade saudável.
Tendo em vista as dificuldades de aprendizagem causadas pela indisciplina e agressividade o tema foi desenvolvido visando entender qual a relação entre aprendizagem e indisciplina em sala de aula, pois toda indisciplina é gesto de desinteresse e todo desinteresse se encarcera quando não existe significação na aula. E nenhuma aula é realmente significativa, quando não existe busca para a consciência da aprendizagem.

REFERêNCIAS


DEVRIES, Rheta; ZAN, Betty. A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
LA TAILLE, Yves de; J.J.M.R. Prefácio à edição brasileira. In Jean Piaget. O juízo moral na criança.  São Paulo: Summus, 1994.
_______ Limites: Três dimensões educacionais. São Paulo: Ática, 1998.
LUFT, Celso Pedro. Minidicionário Luft. 15. ed.São Paulo: Ática. 1998.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. (In) Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. 16. ed. São Paulo: Libertad, 2006(cadernos pedagógicos do libertad).
XAVIER, Maria Luisa Merino de Freitas; RODRIGUES, Maria Bernadette Castro. Um estudo sobre estrutura organizacional, planejamento pedagógico e disciplina escolar - em busca de possíveis soluções para o fracasso escolar. In: ABRAMOWICZ, Anete; MOLL, Jaqueline (orgs). Para além do fracasso escolar.  Campinas: São Paulo, Papirus, 1997.




[1] Aluna do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia Institucional da Faculdade do Noroeste de Minas (FINOM); Graduada em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação do Sul da Bahia (ISESB) e Faculdade do Sul da Bahia (FASB), atuante como professora de língua portuguesa nos anos 7º e 9º da rede pública de educação de Alcobaça na Escola Centro Educacional de Alcobaça-CEA.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A QUESTÃO DP GÊNERO E O ENSINO DE LÍNGUA POR MARCUSCHI

Diante da multiplicidade de gêneros existentes e diante da necessidade de escolha, pergunta-se: será que existe algum gênero ideal para tratamento em sala de aula? Ou será que existem gêneros que são mais importantes que outros? Esta questão será enfocada no momento em que nos dedicarmos a analisar e sugerir sequências didáticas, mas desde logo deve ficar claro que não há resposta consensual sobre a questão. Os próprios PCNs tem grande dificuldade quando chegam a este ponto e parece que há gêneros mais adequados para a produção e outros mais adequados para a leitura, pois parece que em certos casos somos confrontados apenas com um consumo receptivo e em outros casos temos que produzir os textos. Assim, um bilhete, uma carta pessoal e uma listagem são importantes para todos os cidadãos, mas uma notícia de jornal, uma reportagem e um editorial são gêneros menos praticados pelos indivíduos, mas lidos por todos.
Questões deste tipo devem ser por nós enfrentadas na hora de decidir o trabalho efetivo e nos voltaremos a elas adiante. Mas vejamos aqui algumas características de alguns gêneros e como eles se organizam. Tentemos aplicar alguns dos princípios básicos desenvolvidos até este momento considerando estes gêneros. Trata-se de um breve exercício:
gêneros Domínios discursivos Função, aspectos formais, tipos envolvidos
Carta pessoal
Editorial de jornal
Resumo de conferência
Piada
Romance
Conversação espontânea
Aula expositiva
Tese de doutorado
Sermão
Ordem do dia
Bula de remédio
Receita culinária
A investigação até aqui trazida é de interesse aos que trabalham e militam na área do ensino de língua de um modo geral, seja de língua materna ou de segunda língua / língua estrangeira. Também deve ser um indicador de quão redutora está sendo a visão que os recentíssimos Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados pelo MEC para o ensino fundamental e médio no que diz respeito à diversidade de produção textual . Essa redução ou, mais especificamente, essa pobreza se fazia lamentavelmente presente nos manuais de ensino de língua tradicionais e talvez agora se torne possível dar um passo à frente.
Uma análise dos manuais de ensino de língua portuguesa mostra que há uma relativa variedade de gêneros textuais presentes nessas obras. Contudo, uma observação mais atenta e qualificada revela que a essa variedade não corresponde uma realidade analítica. Pois os gêneros que aparecem nas seções centrais e básicas, analisados de maneira aprofundada são sempre os mesmos. Os demais gêneros figuram apenas para “enfeite” e até para distração dos alunos. São poucos os casos de tratamento dos gêneros de maneira sistemática. Lentamente, surgem novas perspectivas e novas abordagens que incluem até mesmo aspectos da oralidade. Mas ainda não se tratam de modo sistemático os gêneros orais em geral. Apenas alguns, de modo particular os mais formais, são lembrados em suas características básicas.
Não é de se supor no entanto que os alunos aprendam naturalmente a produzir os diversos gêneros escritos de uso diário. Nem é comum que se aprendam naturalmente os gêneros orais mais formais, como bem observam Dolz & Schneuwly (1998). Por outro lado, é de se indagar se há gêneros textuais ideais para o ensino de língua. Tudo indica que a resposta seja não. Mas é provável que se possam identificar gêneros com dificuldades progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais privado ao mais público e assim por diante.
Deve ter ficado claro que há muito mais gêneros na escrita do que na fala, o que é de certo modo surpreendente, mas explicável pela diversidade de ações linguísticas que praticamos no dia a dia na modalidade escrita. As civilizações em que a escrita tem um papel central nas tarefas do dia a dia, mormente no comércio, indústria e produção do conhecimento, tendem a diversificar de maneira acentuada as formas textuais utilizadas. Esta tendência torna de algum modo difícil a vida do cidadão comum que já não consegue dominar com facilidade essa verdadeira selva textual. Por isso é importante que nos dediquemos a entender melhor essa questão.
Ao lado do problema da diversidade textual, há ainda a visão hoje comumente aceita e tão claramente defendida por Bakhtin (1979) que aponta os gêneros textuais como esquemas de compreensão e facilitação da ação comunicativa interpessoal. Essa estabilização de formas textuais repercute não só no processo de compreensão, mas na própria estabilização de formas sociais de interação e raciocínio.
Assim, em última análise, a distribuição da produção discursiva em gêneros tem como correlato a própria organização da sociedade, o que nos faz pensar no estudo sócio-histórico dos gêneros textuais como uma das maneiras de entender o próprio funcionamento social da língua. Isto nos remete ao núcleo da perspectiva teórica dos estudos linguísticos sobre o texto e do texto aqui empreendidos, ou seja, a visão sócio-interacionista.
Visão dos PCNs a respeito da questão dos gêneros
Ressalte-se a posição enfática e explícita defendida corretamente nos PCNs de que a língua falada e a língua escrita não se opõem de forma dicotômica nem são produções em situações polares (p. 55). Além disso, é notável a posição de que a LF e a LE se dão relacionadas no contexto do contínuo dos gêneros textuais (p. 56) com diferenças tidas como graduais. Uma ideia aproximada disso é fornecida nos dois quadros (pp. 41 e 43) com gêneros similares nas duas modalidades. Importante é a constatação de que uma das confusões mais comuns que
“circulam na escola a respeito da relação entre a modalidade oral e a escrita (é) imaginar a escrita como mera transposição do oral, ou tratar as especificidades de cada modalidade como polaridades.” (p. 55)
A ênfase desse princípio geral deve ser cada vez mais acentuada, pois não há equívoco mais inconveniente do que tratar a escrita como mera transposição da fala para o papel na forma gráfica. A escrita não é a representação gráfica da fala.
São, no entanto, vagas e imprecisas as observações de detalhe sobre a qualidade das relações entre fala e escrita, pois parece que fala e escrita se oporiam, pelo “interesse pedagógico”, como se uma (a fala) fosse o “vernacular”, isto é, aquela forma de comunicação espontânea, face a face, cotidiana e coloquial (p.15); e outra (a escrita) a “norma culta” referente à língua padrão e socialmente prestigiada. Mas isto contrastaria com a observação de que, precisamente daí decorrem preconceitos ou “mitos” dos quais a escola deveria livrar-se, tais como:
“o (preconceito) de que existe uma única forma ‘certa’ de falar, o de que a fala ‘certa’ é a de uma determinada região (a carioca, por exemplo), o de que a fala ‘certa’ se aproxima do padrão da escrita, o de que o brasileiro fala mal, o de que é preciso ‘consertar’ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado”. (p. 15)
Tidas pelos PCN como “insustentáveis” e culturalmente mutiladoras, essas crenças são nefastas e a escola deveria evitá-las mostrando que há diversas formas de se expressar de acordo com as situações, os contextos e os interlocutores, de modo que:
“A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização adequada da linguagem.” (p. 16)
Diante de uma tal afirmativa, a inevitável pergunta de todo(a) o(a) professor(a) em sala de aula será esta: “Então o que faço com um aluno que diz ‘nós vai’? ”. Seguramente, a posição dos PCNs não dá pistas para a angustiante expectativa de uma resposta por parte do(a) professor(a) diante de alunos em carne e osso.
Gêneros textuais na língua falada e escrita de acordo com os PCNs
Este aspecto é complexo e não passa despercebido aos PCNs. Contudo, as observações são no geral vagas. Às vezes se trata de tipos de texto ou sequências discursivas (p. 45) tais como: narrativa, descrição, exposição, argumentação e conversação. Em outros casos trata-se de gêneros textuais (p.40 e 43): entrevista, debate, palestra, conto, novela, artigo, reportagem etc. Não se faz uma distinção sistemática entre tipos (enquanto constructos teóricos) e gêneros (enquanto formas textuais empiricamente realizadas e sempre heterogêneas). Consideram-se, apenas gêneros formais e não os mais praticados nas atividades linguísticas cotidianas. Falta uma noção da gradação de que se fala em outras partes dos PCNs. Também é curioso que se tomem gêneros diversos para tratar a produção e a compreensão, como se observa no quadro apenso à p. 40 quando comparado com o da p. 43, aqui reproduzidos para observação.
O Quadro 1 traz os gêneros sugeridos para trabalhar a “prática de compreensão de textos”; já o Quadro 2 apresenta os gêneros sugeridos para trabalhar a “prática de produção de textos”.
(quadro 1, p. 40)
GÊNEROS PREVISTOS PARA A PRÁTICA DE COMPRENSÃO DE TEXTOS
LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA

LITERÁRIOS





DE IMPRENSA




DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA



PUBLICIDADE Cordel
Texto dramático


Comentário radiofônico
Entrevista
Debate
Depoimento


Exposição
Seminário
Debate
Palestra


propaganda


LITERÁRIOS






DE IMPRENSA




DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA



PUBLICIDADE Conto
Novela
Romance
Crônica
Poema
Texto dramático

Notícia
Editorial
Artigo
Reportagem
Carta do leitor
Entrevista

Verbete enciclopédico
(nota / artigo)
Relatório de experiências
Didático (textos, Enunciados de
questões)

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O que se nota é que há muito mais gêneros sugeridos para a atividade de compreensão do que para a atividade de produção. Isto reflete em parte a situação atual em que os alunos escrevem pouco e em certos casos quase não escrevem. Parece que produzir textos é uma atividade ainda pouco conhecida e mais conhecida é a que diz respeito à compreensão. As atividades relativas á compreensão são sempre em maior número.
(quadro 2, p. 43)
GÊNEROS PREVISTOS PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS
LINGUAGEM ORAL
LINGUAGEM ESCRITA
LITERÁRIOS


DE IMPRENSA




DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA




Entrevista
Debate
Depoimento


Exposição
Seminário
Debate

LITERÁRIOS


DE IMPRENSA



DE DIVULGAÇÃO
CIENTÍFICA

Conto
Poema

Notícia
Editorial
Carta do leitor
Entrevista

Relatório de experiências
Esquema e resumo de artigos ou verbetes de enciclopédia
Os PCNs não negam que haja mais gêneros, mas estes não são lembrados. Por que não trabalhar telefonemas, conversações espontâneas, consultas, discussões etc., para a fala? Por que não analisar formulários, cartas, bilhetes, documentos, receitas, bulas, anúncios, horóscopos, diários, ata de condomínio e assim por diante, para a escrita? Estes são muito mais comuns do que aqueles lembrados nos quadros 1 e 2.
Na realidade, aqui há um problema de ordem metodológica paradoxal: por um lado, quando os PCNs propõem conteúdos programáticos mostram-se inevitavelmente redutores e, por outro lado, quando concretizam as ações, tornam-se homogeneizadores, sugerindo que todos os professores trabalhem determinados fenômenos. O fato é que para planos dessa ordem dever-se-ia operar no nível conceitual, explanatório e não de conteúdos. Nesses casos, noções, estratégias e processos com as respectivas exemplificações são mais importantes do que conteúdos específicos. O caso dos gêneros textuais é apenas um exemplo paradigmático disso.
Uma tarefa interessante seria analisar os livros didáticos observando quais são as propostas por eles feitas para a produção textual com base nos gêneros. Esta análise já foi em parte feita no trabalho de doutorado de Williany Miranda da Silva que analisou os exercícios de produção textual com base numa teoria de gêneros. Sua constatação foi que a escola ainda não se preocupa com a produção textual baseada em gêneros.
Os gêneros textuais em sala de aula: as “sequências didáticas”
[[NOTA: Embora não possa trazer aqui mais dados, aconselho vivamente a leitura da obra se Bernard SCHNEUWLY ; Joaquim DOLZ e Colaboradores. 2004. Gêneros Orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras. Que foi recentemente traduzida por Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro.]]
Dolz & Schneuwly preocupam-se em fornecer elementos de interesse para o ensino da oralidade em sala de aula e todo o esforço volta-se para a consecução deste objetivo. Central é a metodologia utilizada para construir o que ficou conhecido nessa escola como ensino por sequências didáticas, realizado com base em gêneros textuais diversos, especialmente os gêneros orais mais elaborados. Para tanto, os autores desenvolvem uma noção de gênero, concebido como um instrumento de comunicação, que se realiza empiricamente em textos. Devido ao seu alto poder heurístico, Schneuwly (1994) chamou os gêneros textuais de mega-instrumentos em outro trabalho, o que é retomado aqui, como se observa abaixo.
Como os gêneros se acham sempre ancorados em alguma situação concreta, particularmente os orais, os autores julgam plausível partir de situações claras para trabalhar a oralidade. Assim, sendo o texto um evento singular e situado em algum contexto de produção, seja ele oral ou escrito, no ensino, é conveniente partir de uma situação e identificar alguma atividade a ser desenvolvida para que se inicie uma comunicação. Por exemplo, explicar a migração das aves diante de uma turma de alunos ou produzir uma entrevista radiofônica.
Em sua postura teórica central, Dolz & Schneuwly (1998:64) seguem a posição bakhtiniana de que:
“Para possibilitar a comunicação, toda sociedade elabora formas relativamente estáveis de textos que funcionam como intermediários entre o enunciador e o destinatário, a saber, gêneros”.
E exploram os gêneros com base na metáfora dos “instrumentos que fundam a possibilidade de comunicação (e de aprendizagem)” (p.64). Assim, quando alguém tem de agir discursivamente deve instrumentalizar-se com um conjunto de utensílios, por exemplo, usando o garfo para comer, o machado para cortar uma árvore ou então um gênero como “instrumento para agir discursivamente”. Segundo os autores, o gênero
“É um instrumento semiótico constituído de signos organizados de maneira regular; este instrumento é complexo e compreende níveis diferentes; é por isso que o chamamos por vezes de ‘mega-instrumento’, para dizer que se trata de um conjunto articulado de instrumentos à moda de uma usina; mas fundamentalmente, trata-se de um instrumento que permite realizar uma ação numa situação particular. E aprender a falar é apropriar-se de instrumentos para falar em situações discursivas diversas, isto é, apropriar-se de gêneros” (p.65).
A metáfora do instrumento deve ser muito bem entendida, pois os autores não ignoram o risco de uma noção instrumental de língua, já que isto seria inadequado. Por isso indagam-se: “De que modo definir o gênero como instrumento?” (p. 65) Para tanto, na linha de Bakhtin (1979), distinguem três dimensões essenciais:
1) os conteúdos que se tornam decidíveis no gênero;
2) a estrutura comunicativa particular dos textos que pertencem ao gênero;
3) as configurações específicas de unidades linguísticas como traços da posição enunciativa do enunciador, os conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos que formam essa estrutura.
Isto é interessante porque desse modo, na ótica escolar, os gêneros se tornam um ponto de referência concreto para os alunos, operando como “entidades intermediárias que permitem estabilizar os elementos formais e rituais das práticas”. Torna-se, assim, fácil operar com os gêneros que asseguram um quadro de estratégias para a análise e a produção textual. Os gêneros são tidos, pois, como as unidades concretas nas quais deve dar-se o ensino (p.66).
Na realidade, os dois autores estão interessados na noção de gênero na medida em que ela lhes será útil no trabalho com a oralidade. A preocupação vai centrar-se, em essência, no que os autores chamam de gêneros formais públicos produzidos em situações públicas ritualizadas e com modelos de produção bem definidos, tais como sermão, debate televisivo, conferência, entrevista radiofônica e outros desta natureza trabalhados detidamente pelos autores em forma de sequências didáticas. Pois, a hipótese é a de que os alunos já dominem os gêneros informais da vida cotidiana (p. 68) não se necessitando de trabalhá-los de modo especial. Os gêneros formais públicos, no entanto, têm formas pré-codificadas e rígidas que não se determinam na situação concreta. Precisam de estímulo e aprendizagem especial, daí serem um objeto preferencial, ou até mesmo “objeto autônomo” do ensino na oralidade.

Tecnologias do conhecimento: os desafios da educação:

Ladislau Dowbor
Terminada a última guerra mundial foi encontrada, num campo de concentração nazista, a seguinte mensagem dirigida aos professores:
"Prezado Professor, Sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver. Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educação. Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e aritmética só são importantes para fazer nossas crianças mais humanas."
As tecnologias são importantes, mas apenas se soubermos utilizá-las. E saber utilizá-las não é apenas um problema técnico.
Tecnologias do Conhecimento
Tentamos aqui identificar as grandes linhas do imenso potencial que abrem as novas tecnologias do conhecimento, e também os novos perigos que apresentam. A educação já não pode funcionar sem se articular com dinâmicas mais amplas que extrapolam a sala de aula. Da mesma forma, a economia já não pode funcionar de maneira adequada sem enfrentar a questão da organização social do conhecimento.
O autor destas linhas é economista. Porque está se aventurando nesta área que normalmente é da educação? Por um lado, porque ensinar economia é um trabalho de educação, e não há educador que não sinta que estamos avançando para novos horizontes. Por outro lado, estamos avançando a passos largos para uma sociedade do conhecimento, e a problemática da educação se tornou central para todos nós, para o desenvolvimento econômico e social de maneira geral.
As tecnologias em si não são ruins. Fazer mais coisas com menos esforço é positivo. Mas as tecnologias sem a educação, conhecimentos e sabedoria que permitam organizar o seu real aproveitamento, levam-nos apenas a fazer mais rápido e em maior escala os mesmos erros. Achávamos que o essencial para desenvolver o país seria criar fábricas e bancos. Hoje constatamos que sem os conhecimentos e a organização social correspondente, construímos uma modernidade com pés de barro, um luxo de fachada que já não engana mais ninguém.
Alguns trechos do presente livro apareceram em artigos, ou capítulos de livros. Com a dimensão dos desafios que enfrentamos, achamos útil elaborar uma visão de conjunto, e apresentar os nossos principais desafios de maneira sistematizada, ainda que sumária.
1 – Da educação à gestão do conhecimento
As transformações que hoje varrem o planeta vão evidentemente muito além de uma simples mudança de tecnologias de comunicação e informação. No entanto, as TCI, como hoje são chamadas, desempenham um papel central. E na medida em que a educação não é uma área em si, mas um processo permanente de construção de pontes entre o mundo da escola e o universo que nos cerca, a nossa visão tem de incluir estas transformações. Não é apenas a técnica de ensino que muda, incorporando uma nova tecnologia. É a própria concepção do ensino que tem de repensar os seus caminhos.
Tradicionalmente, a educação seria um instrumento destinado a adequar o futuro profissional ao mundo do trabalho, disciplinando-o, e municiando-o de certa maneira com conhecimentos técnicos, para que possa “vencer na vida”, inserindo-se de forma vantajosa no mundo como existe. Esta inserção vantajosa, por sua vez, asseguraria reconhecimento e remuneração, ou seja, “sucesso”.
Este paradigma, amplamente dominante, gerou outra visão, contestadora, que tenta assegurar à educação uma autonomia que lhe permita centrar-se nos valores humanos, na formação do cidadão, na visão crítica e criativa. Virgem de relações com o mundo econômico, de certa forma, esta educação estaria livre dos moldes que este lhe quer impor.
Sem os instrumentos técnicos para ser competente na linha profissionalizante, e frágil demais para ser transformadora, a educação realmente existente termina por constituir um universo relativamente ilhado dos processos de transformação econômica e social.
O mundo que hoje surge constitui ao mesmo tempo um desafio ao mundo da educação, e uma oportunidade. É um desafio, porque o universo de conhecimentos está sendo revolucionado tão profundamente, que ninguém vai sequer perguntar à educação se ela quer se atualizar. A mudança é hoje uma questão de sobrevivência, e a contestação não virá de “autoridades”, e sim do crescente e insustentável “saco cheio” dos alunos, que diariamente comparam os excelentes filmes e reportagens científicos que surgem nas televisão e nos jornais, com as mofadas apostilas e repetitivas lições da escola.
Mas surge também a oportunidade, na medida em que o conhecimento, matéria prima da educação, está se tornando o recurso estratégico do desenvolvimento moderno. O conhecimento científico, é preciso dizê-lo, nunca esteve no centro dos processos de transformação social. Desempenhava um papel folclórico na Grécia antiga, mais preocupada com as guerras, e mobilizou minorias ínfimas em termos sociais nas grandes civilizações, seja da China, de Roma, ou do mundo árabe.
Frente às transformações tecnológicas que varrem o planeta, o mundo da educação permanece como que anestesiado, cortado de boa parte do processo de pesquisa e desenvolvimento, hoje essencialmente concentrado nas empresas transnacionais, e privado de uma visão mais ampla do desafio que tem de enfrentar. A realidade é que, por primeira vez, a educação se defronta com a possibilidade de influir de forma determinante sobre o nosso desenvolvimento.
Junto com os fins, surgiram os meios. Ao mesmo tempo que a educação se torna um instrumento estratégico da reprodução social e de promoção das populações, surgem as tecnologias que permitem dar um grande salto nas formas, organização e conteúdo da educação. Informática, multimidia, telecomunicações, bancos de dados, videos e tantos outros elementos se generalizam rapidamente. A televisão, hoje um agente importante de formação, pode ser encontrada nos domicílios mais humildes. Os custos destes instrumentos estão baixando vertiginosamente.
Partindo das tendências constatadas em diversos paises, vislumbramos um conceito de educação que se abre rapidamente para um enfoque mais amplo: com efeito, já não basta hoje trabalhar com propostas de modernização da educação. Trata-se de repensar a dinâmica do conhecimento no seu sentido mais amplo, e as novas funções do educador como mediador deste processo.
As resistências à mudança são fortes. De forma geral, como as novas tecnologias surgem normalmente através dos paises ricos, e em seguida através dos segmentos ricos da nossa sociedade, temos uma tendência natural a identificá-las com interesses dos grupos econômicos dominantes. E a verdade é que servem inicialmente estes interesses. No entanto, uma atitude defensiva frente às novas tecnologias pode terminar por acuar-nos a posições em que os segmentos mais retrógrados da sociedade se apresentam como arautos da modernidade.
Com as transformações revolucionárias que atingem o universo do conhecimento em geral, dotar-se de instrumentos e instituições adequados de gestão nesta área constitui seguramente um eixo essencial de ruptura do nosso atraso.
2 – Um mundo intensivo em conhecimento
Não se trata de inundar as escolas e outras instituições de computadores, como que caídos de pára-quedas. Numerosos estudos feitos em empresas mostram como a simples informatização leva apenas a que as mesmas bobagens sejam feitas com maior rapidez, além do acúmulo de equipamento sofisticado utilizado como máquinas de escrever. Trata-se de organizar a assimilação produtiva de um conjunto de instrumentos poderosos que só poderão funcionar efetivamente ao promovermos a mudança cultural , no sentido mais amplo, correspondente.
Esta mudança cultural, de civilização, é planetária. Para dar um exemplo, todos já vimos notícias sobre a perda da importância relativa da agricultura. Nos Estados Unidos, ela envolveria quando muito 2% da população ativa. No entanto, ao olharmos de mais perto, constatamos que em torno destes 2% que são realmente muito poucos, funcionam empresas que prestam serviços de inseminação artificial, outras que prestam serviços de análise de solo, outras ainda que organizam sistemas de estocagem e conservação da produção, ou prestam serviços de pesquisa, meteorologia e assim por diante. Quando formos somando as diversas atividades diretamente ligadas à agricultura, mas que não trabalham a terra, chegaremos a pelo menos 20% da população ativa americana. Em outros termos, o que está acontecendo não é o desaparecimento da agricultura: mudou a forma de fazer agricultura, com menos atividade de "enxada", perfeitamente passível de mecanização, e muito mais conteúdo de organização do conhecimento.
A indústria, com algumas décadas de atraso relativamente à agricultura, está seguindo o mesmo caminho. O número de trabalhadores industriais, do chamado setor secundário, está diminuindo por toda parte, gerando um desemprego inclusive muito sentido nos centros industriais tradicionais do Estado. Mas na realidade, enquanto a atividade operacional junto à máquina se reduz rapidamente, desenvolvem-se atividades de organização, pesquisa, gerenciamento, design e outras que têm sido chamadas de atividades "intangíveis", porque não levam a um produto físico, não trabalham com uma máquina concreta. Muita gente tem chamado estas atividades com o termo vago de serviços. Mas na realidade, trata-se de uma forma mais intensiva em conhecimento de desenvolver atividades de transformação produtiva industrial.
Surgem também com força e peso renovados as atividades ligadas às políticas sociais, que prestam serviços diretamente às pessoas, como a saúde, o imenso setor vagamente chamado de indústria do entretenimento, e a própria educação que se generaliza para atingir todas as pessoas e todas as idades. São áreas muito intensivas em conhecimento, e que são capilares, ou seja, precisam chegar a cada pessoa, cada família, de maneira específica e diferenciada, exigindo sistemas muito complexos de organização e gerenciamento, o que implica em mais conhecimento.
Não menos importantes são as atividades de governo. Ainda que o discurso ideológico sobre Estado mínimo renda votos, o mundo realmente existente vê as atividades públicas crescer em todo o planeta. Não há mistério nisto, e muito pouca ideologia. Com a urbanização, coisas que eram realizadas individualmente por cada família, no mundo de populações rurais dispersas, exigem agora serviços públicos articulados, como água, energia, esgoto, ruas, redes escolares e assim por diante, serviços que exigem visão de conjunto, planejamento, respeito aos interesses sociais e ambientais, e que funcionam muito mal em mãos privadas. É interessante ver hoje que uma instituição tão insuspeita de "estatismo" como o Fundo Monetário Internacional apresenta dados que demonstram rigorosamente que quanto mais desenvolvidos os países, maior é, proporcionalmente, a dimensão dos serviços públicos. Só que estes serviços de organização e gerenciamento social exigem hoje mais do que a tradicional burocracia: precisem ser ágeis e flexíveis. Isto exige não só uma grande intensidade em informação, como o acesso generalizado a esta informação, para que se garanta a democracia e a transparência.
Ou seja, a educação, e os sistemas de gestão do conhecimento que se desenvolvem em torno dela, têm de aprender a utilizar as novas tecnologias para transformar a educação, na mesma proporção em que estas tecnologias estão transformando o mundo que nos cerca. A transformação é de forma e de conteúdo.
3 – O salto tecnológico da informática e da comunicação
Desta forma, não é apenas a educação que se defronta com novas tecnologias: estas mesmas tecnologias estão impactando todo o universo social, e e gerando novas dinâmicas onde o conhecimento vai se tornando gradualmente central. A transformação envolve praticamente todas as áreas de atividade, economia, política, cultura, a própria organização do tecido social e das nossas relações, além de provocar uma mudança radical de como utilizamos o nosso principal recurso não-renovável, o curto tempo da nossa vida.
A base técnica da revolução que estamos sofrendo é bastante simples. O ponto de partida é a adoção de um código binário: em vez de escrever por exemplo a letra "a", eu posso decidir, por convenção, a sua substituição por uma combinação de "0" e "1". Ou seja, substituimos uma representação gráfica, o "a", um desenho, por um símbolo abstrato que consiste na combinação de dois dígitos. Se optarmos por unidades de 8 dígitos, cada letra do alfabeto poderá ser substituida por algo como, por exemplo, 00101100. Como se trata de dois dígitos, com 8 posições, podemos ter 256 combinações, permitindo dar expressão não apenas ao alfabeto, como aos números, a um lá menor de um timbre determinado, a um ponto de cor numa tela, e assim por diante. E se aumentarmos o tamanho da "palavra" digital, de 8 para 16 posições, por exemplo, poderemos incluir todos os caracteres chineses, pois temos à nossa disposição 65.516 combinações.
Não é uma coisa nova, nem misteriosa. No código morse, usa-se também um código binário, de pontos e traços. Um pedido de socorro, por exemplo, S.O.S., é representado por tres pontos, tres traços, e tres pontos. Pode ser transmitido com sinais de lanterna, alternando tres piscadas curtas, tres longas e tres curtas. Os pontos e traços podem ser representados sob forma de luz, ou de som, pouco importa, conquanto possamos distinguir dois sinais diferentes.
Para ter dois sinais diferentes, basta uma variação. Esta variação se exprime graficamente como combinação de "0" e "1", mas pode ser representada concretamente com o polo positivo ou negativo em termos magnéticos, ou como uma variação de comprimento de ondas de luz e assim por diante. O essencial é que com uma variação, podemos dar expressão a dois sinais. E com a combinação de dois sinais, podemos dar a expressão a todo o universo de comunicação, seja de letras, de cores, de uma sinfonia ou de um filme, a toda a memória acumulada e registrada da humanidade. Entramos na era digital.
O segundo ponto desta revolução se prende ao fato da eletrônica moderna ter conseguido "ancorar" estes dígitos em movimentos de nível atómico, de elétrons, de fótons. Através dos avanços que geraram semicondutores, transistores, circuitos integrados e microprocessadores, tornou-se possível transformar o "a" que escrevemos no teclado em sinais eletrônicos minúsculos que se gravam no disco rígido ou no disquete do nosso computador. Em outros termos, todo o acervo de conhecimento da humanidade passou para uma base que é, para todos os efeitos práticos, infinitamente pequena, e que se desloca na velocidade da luz. O conhecimento deixou de ser uma matéria para se tornar um "flúido" de maleabilidade ilimitada.
O terceiro ponto desta transformação, consistiu em organizar a "navegação" neste fluido informativo. Os movimentos de nível atômico não precisam necessariamente ter uma base material: podemos receber uma informação digital através de ondas, retransmitidas por um satélite, encaminhadas por um cabo ótico ou um fio de telefone. Aqui também nada é radicalmente novo. O telefone, ou fone a distância, nos permitia ouvir alguém que fala longe. Mas a transformação da voz em sinais elétricos no ponto de partida, e a sua reconversão em voz no ponto de chegada, se dava por analogia. Uma boa imagem para lembrar a diferença nos vem dos antigos discos com agulha: na gravação, a agulha vibrava ao som da música, gravando o disco. Quando escutamos a música, a agulha, ao passar pelos mesmos sulcos, vibra igualmente, e com o alto falante se obtém de novo a música. O sistema digital, por sua vez, permite que navegue da mesma forma a imagem, o símbolo, o som, codificados em dígitos. Isto gerou uma base comum para todo o sistema de conhecimento, e tornou possível a transmissão de gigantescas quantidades de informação sem deformações ou erros. E se há problemas na transmissão, o próprio código nos alerta.
O quarto ponto é um pouco menos visível, mas igualmente essencial: trata-se de organizar a busca das informações, de forma a que não nos vejamos afogados pelo excesso de dados. Recorreu-se aqui ao matemático britânico George Boole, que desenvolveu no século XIX metodologias de organização pensamento que foram resgatadas para a "busca" que fazemos na internet ou nos diversos instrumentos de navegação. Por exemplo, interessa-me consultar obras sobre a relação entre o salário e o desemprego, em países pobres, não anteriores a 1995. Isto em termos de instruções de busca significa que me interessa o conceito salário e o conceito desemprego, ou ainda todas as obras onde aparece o conceito de salário ou o de desemprego, e assim por diante. Tece-se assim a gramática que dá sentido à busca, permitindo sucessivos afinamentos que nos levam ao ponto certo, mesmo entre bilhões de unidades de informação.
O quinto ponto é um resultado: o sistema digital permitiu a rápida convergência de todos os instrumentos que geram, transmitem e recebem informação sob suas diversas formas. O conhecimento, o dado, o símbolo, tudo trafega neste gigantesco aglomerado onde telefonia (voz), televisão (imagem), e informática (informação) se articulam para formar o que Dênis de Morais chama de infotelecomunicação , presente na lição de casa das nossas crianças, na música do nosso CD, na escolha dos produtos no supermercado, no código de barras, no cartão de crédito, nas nossas horas de lazer, na forma de organizarmos o nosso trabalho, no conhecimento que Estado e empresas têm das nossas atividades, na maneira e no horário dos bombardeios de uma guerra, além da forma como as próprias bombas são guiadas. De certa forma, não podemos evitar o óbvio: este conjunto de atividades agigantou-se de maneira fenomenal, adquirindo um papel absolutamente central nas atividades humanas em geral.
O resto é uma corrida de aplicações. O computador ganha todo dia novos softwares que organizam a "ponte" entre o que vemos na tela e sua expressão ao nível do microprocessador. Os próprios micro-processadores ganham todo ano maior velocidade e capacidade. A transmissão passa gradualmente do cobre para a fibra ótica. O planeta se vê enfeixado por satélites geo-estacionários, que cobrem todo o espaço terrestre, e permitem que qualquer escola isolada da Mongólia, por exemplo, tenha acesso a qualquer acervo de conhecimentos informatizados de qualquer universidade ou empresa do mundo. Os oceanos recebem nos seus leitos os cabos óticos intercontinentais, que devem permitir a transmissão instantânea de gigantescas massas de informação. As rodovias ganham valetas com cabos óticos, gerando gradualmente uma nova e gigantesca teia de aranha planetária que revoluciona simultaneamente a telefonia, a televisão, o acesso a banco de dados e a bibliotecas, as relações entre empresas ou entre departamentos de uma empresa. 0 acervo de conhecimento de toda a humanidade é transformado num gigantesco sistema de vasos comunicantes, onde todos podem ter acesso a tudo
Esta conectividade instantânea de qualquer ser humano, de qualquer unidade residencial ou de trabalho, em termos de informação e de comunicação, gera por sua vez uma dramática transformação nas relações humanas: a internet vem por primeira vez colocar à disposição de qualquer pessoa com os conhecimentos e recursos necessários - e se trata aqui de uma condicionante de imensa importância - a possibilidade de se comunicar, a partir de qualquer ponto, com qualquer outro usuário do planeta. Forma-se rapidamente o que tem sido chamado de sociedade em rede . A internet é simplesmente o sistema de suporte organizado à comunicação planetária.
Quando o conhecimento se torna um elemento chave de transformação social, a própria importância da educação muda qualitativamente. Deixa de ser um complemento, e adquire uma nova centralidade no processo.
Por enquanto, as novas tecnologias são um instrumento, à espera do tipo de utilização que dele faremos. O que representa para nós, como instrumento de transformação da educação, o fato do conhecimento passar a se apresentar como um fluido não-material que banha o planeta e que circula praticamente na velocidade da luz?
É nesta velocidade que podem ser estocados, transformados, ou transmitidos para qualquer parte do mundo, textos, imagens de desenhos ou pinturas, músicas, fotos, filmes, fórmulas matemáticas. O longo processo técnico e econômico que conectou grande parte das escolas, instituições de pesquisa, bibliotecas, empresas, organizações comunitárias e domicílios com o mundo de eletricidade, telefone e antenas de rádio e televisão, permite hoje o funcionamento de uma imensa rede de comunicação científica e cultural, uma conectividade universal jamais prevista nas suas dimensões. Frente a este tipo de inovação, a invenção da imprensa por Gutenberg, com toda a sua importância, aparece como um avanço bem modesto, por revolucionária que fosse na época.
Pondo de lado os diversos tipos de exageros sobre a "inteligência artificial", ou as desconfianças naturais dos desinformados, a realidade é que a informática, associada às telecomunicações, permite:
a) estocar de forma prática, em disquetes, em discos rígidos e em discos laser, e cada vez mais simplesmente na "rede", gigantescos volumes de informação. Estamos falando de centenas de milhões de unidades de informação que cabem no bolso, ou que sequer precisam de bolso, pois passam a ser universalmente acessíveis a partir de qualquer ponto, com ou sem fio.
b) trabalhar esta informação de forma inteligente, permitindo a formação de bancos de dados sociais e individuais de uso simples e prático, e eliminando as rotinas burocráticas que tanto paralisam o trabalho científico. Pesquisar dezenas de obras para saber quem disse o que sobre um assunto particular, "navegando" entre as mais diversas opiniões, torna-se uma tarefa extremamente simples;
c) transmitir a informação de forma muito flexível, hoje através do telefone conectado ao computador, amanhã via cabo de fibras óticas ou antenas, de forma barata e precisa. Inaugura-se assim uma nova era de comunicação de conhecimentos. Isto implica que de qualquer sala de aula ou residência, podem ser acessados dados de qualquer biblioteca do mundo, ou ainda que as escolas podem transmitir informações científicas de uma para outra;
d) integrar a imagem fixa ou animada, o som e o texto de maneira muito simples, ultrapassando a tradicional divisão entre a mensagem lida no livro, ouvida no rádio ou vista numa tela; nada impede, neste universo, um aluno de escrever um poema com pinturas e cores que o acompanham, e uma música de fundo correspondente. O dígito não discrimina entre símbolo, cor, número, voz.
e) manejar os sistemas sem ser especialista: acabou-se o tempo em que o usuário tinha de aprender uma "linguagem", ou simplesmente tinha que parar de pensar no problema do seu interesse científico para pensar no como manejar o computador. A geração dos programas "user-friendly", ou seja "amigos" do usuário, torna o processo pouco mais complicado que o da aprendizagem do uso da máquina de escrever; mas exige também uma mudança de atitudes frente ao conhecimento de forma geral, mudança cultural que esta sim é freqüentemente complexa.
Trata-se aqui de dados bastante conhecidos, e o que queremos notar, ao lembrá-los brevemente, é que estamos perante um universo que se descortina com rapidez vertiginosa, e que será o universo do cotidiano das pessoas que hoje formamos.
Por outro lado, as pessoas só agora começam a se dar conta de que o custo total de um equipamento de primeira linha, com enorme capacidade de estocagem de dados, impressora laser, modem para conexão com telefone, scanner para transporte direto de textos ou imagens do papel para a forma magnética, é da mesma magnitude que um bom aparelho de televisão, ou pouco mais. Hoje temos aparelhos de televisão em 92% dos domicílios do país. E estes custos estão caindo vertiginosamente. Ainda há pouco tempo, uma ligação telefônica para o exterior era caríssima: hoje podemos nos conectar durante horas a preços baixíssimos. É a nova conectividade planetária.
A variável dos custos é importante: quando com o preço da construção de uma escola pode-se comprar milhares de equipamentos de informática e de vídeo, a composição tecnológica dos investimentos na educação deve ser colocada em discussão. Por outro lado, um livro científico médio hoje custa cerca de 50 reais, valor que permite comprar em CD uma enciclopédia universal. Transmitir os dados de um livro científico informatizado, por modem, custa dezenas de vezes menos do que a fotocópias com as quais tantos professores se "defendem".
Não há dúvida que é perfeitamente legítima a atitude de uma professora de periferia, que se debate com os problemas mais dramáticos e elementares, e com um salário absurdo: "o que é que eu tenho a ver com isto ?" Faz parte da nossa realidade, ainda, a luta pelo "Aurélio". Mas a implicação prática que vemos, frente à existência paralela deste atraso e da modernização, é que temos que trabalhar em "dois tempos", fazendo o melhor possível no universo preterido que constitui a nossa educação, mas criando rapidamente as condições para uma utilização "nossa" dos novos potenciais que surgem.
O desafio não é simples: como professores, precisamos preparar os alunos para trabalhar com um universo tecnológico no qual nós mesmos ainda somos principiantes. É útil lembrar a história que nos traz Seymour Papert, em A Máquina da Criança: uma professora de informática se sentia cada vez mais ultrapassada pelo ritmo das crianças, que não só captavam muito facilmente o que ela ensinava, como iam adiante com maior rapidez. Numa aula, confrontada com uma pergunta que não sabia responder, e que sequer entendia, a professora teve um acesso de bom senso, e fez um novo pacto com os alunos. Doravante, ela não se sentiria obrigada a conhecer todas as áreas do que ensinava, sobretudo neste universo tão repleto de coisas novas. Ela passaria a orientar os alunos na sua aquisição de capacidades informáticas, e deixaria de ser uma repassadora de conteúdos. Ela, como professora, sabe organizar a aprendizagem, o que não significa que precisa saber tudo.
Voltamos assim à visão que apresentamos no início: mudam as tecnologias, mas também muda o mundo que devemos estudar, e precisam mudar as próprias formas de ensino. A informática não é apenas a chegada de novas máquinas. E neste caso, não resolve sequer a mentalidade do "manual de instruções": a compreensão das novas dinâmicas ainda está em plena construção.
4 – O deslocamento dos paradigmas da educação
Não é preciso ser nenhum deslumbrado da eletrônica para constatar que o movimento transformador que atinge hoje a informação, a comunicação e a própria educação constitui uma profunda revolução tecnológica. Este potencial pode ser visto como fator de desequilíbrios, reforçando as ilhas de excelência destinadas a grupos privilegiados, ou pode constituir uma poderosa alavanca de promoção e resgate da cidadania de uma grande massa de marginalizados, criando no país uma base ampla de conhecimento, uma autêntica revolução científica e cultural.
Nesta rearticulação da sociedade, hoje urbanizada e coexistindo em "vizinhanças", e frente ao novo papel do conhecimento no nosso cotidiano, as estruturas de ensino poderiam evoluir, por exemplo, para um papel muito mais organizador de espaços culturais e científicos do que propriamente de "lecionador" no sentido tradicional. De toda forma o espaço urbano abre possibilidades para a organização de redes culturais interativas que colocam novos desafios ao próprio conceito de educação.
Conforme vimos, tudo indica que não estamos enfrentando apenas uma revolução tecnológica. Na realidade, o conjunto de transformações parece estar levando a uma sinergia da comunicação, informação e formação, criando uma realidade nova, que está sendo designada como "sociedade do conhecimento". De certo modo, o processo reflete os primeiros passos do homo culturalis, em contraposição ao homo economicus dos séculos XIX e XX.
Entrar neste universo da modernidade cibernética, quando somos um país em grande parte subdesenvolvido, envolve dificuldades. De certa forma, precisamos traçar caminhos próprios, e não basta aplicarmos fórmulas desenvolvidas para países ricos. É útil lembrar alguns dados. Os gastos públicos por aluno nos ensinos pré-primário, primário e secundário, em 1990, foram de 2.419 dólares por ano nos paises ricos, contra 263 dólares nos paises do terceiro mundo. "De uma forma geral, constata a Unesco, são os paises mais pobres que fornecem a educação mais limitada". Ou seja, os que deveriam gastar mais em educação para alcançar os mais ricos, são justamente os que gastam menos. A esperança de vida escolar em certos paises é inferior a 500 dias, enquanto atinge 3.100 dias no Canadá.
É interessante notar que o balanço mundial da Unesco sobre a situação da educação no mundo presta um tributo ao que conseguimos fazer com os poucos recursos que temos: "Estudos internacionais realizados pela Asociación Internacional de Evaluación Escolar (IEA) demostraram que os estudantes dos países desenvolvidos não têm um rendimento muito superior – mais ainda, em alguns casos não é sequer melhor – em provas comparáveis de compreensão de leitura, aritmética e ciências, por exemplo, do que o dos estudantes relativamente pobres onde o gasto por aluno é muito inferior".
Isto mostra que dinheiro e tecnologia não é tudo. Mas implica sim que estamos trabalhando, em termos de educação, com universos profundamente diferenciados. O mesmo relatório internacional menciona que na cidade de São Paulo, o número de chefes de familia com menos de um ano de escolarização é 22 vezes superior na periferia do que nas áreas centrais da cidade.
Ampliando esta visão para o Brasil, o Relatório Nacional Brasileiro à Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, (Copenhague 1995) constatou que “no que se refere aos 8 anos do ensino básico, apenas 34% dos que nele ingressam chegam à sua conclusão, no geral com um tempo de permanência 50% maior do que o período previsto. Existem também descompassos entre a oferta e a demanda, estimando-se em 4 milhões o número de crianças fora da escola, ao mesmo tempo que se verifica uma sobrecarga da rede pública. Apenas 1% da população chega à universidade, sendo que o ensino de segundo grau (do 9º ao 11º anos) representa outro grande afunilamento, já que somente 30% da população entre 15 e 19 anos de idade tem acesso a ele.”
Como inverter a dinâmica de uma educação que hoje constitui um fator de reforço das desigualdades, como rearticular os diversos universos sociais cada vez mais distantes ? O nosso desafio, portanto, não é só de introduzir novas tecnologias, com o conjunto de transformações que isto implica, mas também de assegurar que as transformações sejam fonte de oportunidades.
Resumindo as noções gerais, ou macrotendências, que vimos até agora, e buscando sistematizar o que elas representam em termos práticas para a nossa ação, sugerimos os seguintes pontos de referência:
É necessário repensar de forma mais dinâmica e com novos enfoques a questão do universo de conhecimentos a trabalhar: ninguém mais pode aprender tudo, mesmo de uma área especializada. O velho debate que data ainda do século XVI, sobre se a cabeça deve ser bem cheia ou bem feita, torna-se mais presente do que nunca. "Encher" a cabeça tornou-se inviável, além de inútil.
Neste universo de conhecimentos, nesta imensa rede de vasos comunicantes e interativos, assumem maior importância relativa as metodologias, o aprender a "navegar", reduzindo-se ainda mais a concepção de "estoque" de conhecimentos a transmitir.
Torna-se cada vez mais fluida a noção de área especializada de conhecimentos, ou de "carreira", quando do engenheiro exige-se cada vez mais uma compreensão da administração, quando qualquer cientista social precisa de uma visão dos problemas econômicos e assim por diante, devendo-se inclusive colocar em questão os corporativismos científicos. É o fim do universo em fatias, da ciência-salaminho.
Aprofunda-se a transformação da cronologia do conhecimento: a visão do homem que primeiro brinca, depois estuda, depois trabalha, e depois se aposenta - aposentadoria vista aliás como um tipo de retirada para a inutilidade, - torna-se cada vez mais anacrônica, e a complexidade das diversas cronologias aumenta.
A mudança das cronologias implica numa imensa diversificação do mundo educacional, que passa a se constituir num mosaico de subsistemas flexíveis de articulação entre as diversas idades, diversas atividades, e a sua dimensão de conhecimento. Implícitos estão desafios como a reciclagem de quem trabalha, a universidade de terceira-idade, o uso de jogos infantis como simulações didáticas, a interação do adolescente com o mundo profissional e assim por diante.
Modifica-se profundamente a função do educando, em particular do adulto, que deve se tornar sujeito da própria formação, frente à diferenciação e riqueza dos espaços de conhecimento nos quais deverá participar. A educação vista neste prisma tende a se tornar de certa forma orientada pela demanda, sendo que construir o seu próprio universo de conhecimento passa a ser uma condição central da inserção social das pessoas. Não se trata mais de gerar o currículo adequado a partir de instâncias "superiores", mas de se adaptar ao que o aluno efetivamente necessita, nos seus diversos eixos de interação com o mundo.
A luta pelo acesso aos espaços de conhecimento vincula-se ainda mais profundamente ao resgate da cidadania, em particular para a maioria pobre da população, como parte integrante das condições de vida e de trabalho. O "Relatório Mundial sobre a Informação" da Unesco insiste muito sobre este ponto: o acesso à informação, neste mundo complexo que vivemos, é vital inclusive para o cidadão poder ter acesso aos outros direitos humanos. Neste sentido deve-se batalhar por uma educação pública, aberta e transparente.
Longe de tentar ignorar as transformações, ou de atuar de forma defensiva frente às novas tecnologias, precisamos penetrar as dinâmicas para entender sob que forma os seus efeitos podem ser invertidos, levando a um processo reequilibrador da sociedade, quando hoje tendem a reforçar as polarizações e a desigualdade. Trata-se, em outros termos, de trabalhar de maneira séria e sem ilusões o fato das novas tecnologias terem dois gumes, pois tanto podem servir para a elitização e o aprofundamento das contradições sociais, como para gerar, através da democratização do conhecimento, uma sociedade mais justa e mais equilibrada.
Finalmente, é essencial enfrentarmos de maneira organizada a compreensão das novas tecnologias, do seu potencial, dos seus perigos, das suas dimensões econômicas, culturais, políticas, institucionais. Poderemos ser a favor ou contra certas tecnologias, - ainda que na realidade ninguém esteja nos perguntando se somos contra ou a favor - mas o que não podemos nos permitir, inclusive para orientar as novas gerações, é delas não termos um conhecimento competente.
5 – A educação articuladora dos espaços do conhecimento
Se o século XX foi o século da produção industrial, dos bens de consumo durável, o século XXI será o século da informação, da sociedade do conhecimento. Não há nenhum "futurismo" pretensioso nesta afirmação, e sim uma preocupação com as medidas práticas que se tornam necessárias, e cujo estudo deve figurar na nossa agenda. Não podemos mais trabalhar com um universo simplificado da educação formal, complementado por uma área de educação de adultos para recuperar "atrasos". E na realidade, diversas formas e canais de organização e transmissão do conhecimento já existem, enriquecendo o leque do universo educacional.
Neste sentido, a convergência tecnológica que vimos mais acima, que funde a telefonia, a informática e a televisão num grande sistema interativo de gestão do conhecimento, nos leva a que a educação deixe de ser um universo em sí, e se torne um articulador dos diversos espaços do conhecimento. Estes espaços hoje comunicam naturalmente, na medida em que todos têm um denominador comum, o sistema digital de informações. São apenas dimensões, formas de apresentação, embalagens diferenciadas do mesmo universo. A sua segmentação frequentemente resulta mais das heranças institucionais e organizacionais que herdamos de outros tempos, do que propriamente de qualquer lógica e racionalidade em função da sua utilidade prática.
Um bom exemplo da diversificação dos espaços educacionais nos é fornecido pela formação nas empresas. Atualmente, as empresas norte-americanas gastam cerca de 60 bilhões de dólares com formação nas empresas. A importância deste novo segmento da educação pode ser avaliada se lembrarmos que os EUA gastam cerca de 6,8% do PIB com educação pública, ou seja cerca de 340 bilhões de dólares, enquanto a formação nas empresas também se cifra em mais de 100 bilhões, cifra próxima da totalidade dos gastos públicos com o ensino de terceiro grau. Não há dúvida que o universo empresarial brasileiro está dramaticamente atrasado nesta área, como aliás os Estados Unidos estão atrasados relativamente ao Japão ou à Alemanha. Mas o fato é que este espaço está conhecendo um desenvolvimento muito rápido em todos os paises, já não mais limitado aos empresários com "consciência social", mas generalizado pela própria complexidade crescente dos processos produtivos. Grandes empresas estão inclusive se dotando de universidades corporativas, que já são mais de 1.300 nos Estados Unidos. No Brasil já temos 8 universidades empresariais instaladas, e cerca de 40 em fase de preparação.
É preciso levar em conta uma profunda transformação que está ocorrendo na área empresarial: enquanto a produção tradicional podia se contentar com um trabalhador pouco formado, sendo a educação vista essencialmente como um "bandaid social" que permitia falar em "igualdade de chances à partida", hoje o setor empresarial moderno passa a precisar crescentemente da educação para o seu próprio desenvolvimento. Em outros termos, se os Estados Unidos investem este volume de recursos na formação nas empresas, e o Japão e a Alemanha cerca de 2 ou 3 vezes mais, não se trata de idealismo, mas de uma transição exigida pelo próprio ritmo de transformações tecnológicas. Pode-se gostar ou não da tendência, mas o fato é que se trata de uma nova área que adquiriu peso da mesma ordem de grandeza que a educação formal. Podemos discutir as formas de articular os nossos esforços com esse universo. O que não podemos nos permitir, é ignorá-lo.
Outra área que está surgindo com força, pelo potencial que representa, é a reorientação da televisão e da mídia em geral. Há um gigantesco capital acumulado, que são os aparelhos de televisão instalados em 92% dos domicílios do país, as infraestruturas de transmissão e retransmissão, o imenso know-how acumulado pelos técnicos em comunicação no Brasil. Um bom exemplo do aproveitamento deste capital é o Public Broadcasting Service (PBS) dos Estados Unidos, assistido por mais de 90 milhões de pessoas, com programas educacionais diversos de gigantesco impacto cultural no país. A rede não é nem privada nem Estatal, é gerida por um conselho que envolve televisões locais e organizações comunitárias, com forte representação de instituições de ensino. Se considerarmos que a população, e em particular as crianças, assistem a programas de televisão algumas horas por dia, é evidente que uma reorientação da nossa mídia, no sentido de elevar o nível científico e tecnológico da população, poderia ter efeitos muito significativos. E a rede tem índices de audiência muito elevados, pela própria qualidade dos programas e estrutura descentralizada que permite participação local efetiva. A PBS gasta anualmente cerca de 1,3 bilhões de dólares. No Brasil gastamos anualmente cerca de 5 bilhões de dólares em publicidade. A Fundação Anchieta, pioneira nesta orientação com a TV Cultura, permanece uma jóia solitária no deserto intelectual das grandes redes de TV, e se vê submetida a fortes pressões de cunho comercial.
Diretamente vinculado à televisão, mas constituindo hoje um processo autônomo extremamente importante, é o vídeo. Retomando o mesmo exemplo da televisão americana, a PBS Video abastece toda a rede educacional, hospitais, organizações comunitárias etc., com cassetes de vídeo, racionalizando o acesso ao gigantesco acervo de filmes científicos e educativos que hoje existem no mundo. No Brasil, temos a Associação Brasileira de Vídeo Popular, e todo o movimento pela Lei da Informação Democrática que abraçou a luta pela ampliação e democratização dos espaços educacionais, luta que deveria ser de todo a comunidade educacional e científica em geral. O universo da educação formal, entre professores e alunos, representa no Brasil cerca de 40 milhões de pessoas, mais de 20% da população. A ausência ou quase ausência do movimento organizado dos educadores na luta pela democratização dos meios de comunicação de massa e da informação em geral é particularmente grave, e reflete a insuficiente compreensão de que não se trata só da educação, mas do conjunto das áreas ligadas ao universo do conhecimento. É importante lembrar que com a internet ligada com cabo, ninguém precisará mais de videoteca, os filmes poderão ser passados diretamente em qualquer sala de aula com computador.
Um outro espaço do conhecimento em plena expansão é o dos cursos técnicos especializados. A expansão é compreensível, já que com o surgimento de inúmeras novas tecnologias, os mais diversos segmentos da população buscam cursos de design, de programação, de inseminação artificial e outras técnicas agrícolas, bem como apoio técnico para criação de micro e pequenas empresas etc. Esta área ocupa um espaço crescente, e não pode mais ser descartada como atividade marginal, como no tempo dos cursos de datilografia. Em reuniões organizadas em São Paulo, a Câmara Júnior de Comércio do Japão expôs como 60 mil pequenas empresas japonesas, conectadas por computador, cruzam diariamente as suas propostas ou dificuldades tecnológicas. Assim por exemplo, um trabalhador que enfrenta uma dificuldade técnica determinada, descreve-a no computador, e recebe no dia seguinte na sua tela comunicações sobre que empresa resolveu de que maneira esta dificuldade. Em outros termos, em vez de multiplicar cursinhos de qualidade freqüentemente duvidosa, o Japão trabalha nesta área com a criação de um ambiente tecnológico integrado, que envolve tanto cursos como comunicações informais, e sobretudo a formação de uma cultura associativa e colaborativa das empresas. Pode-se pensar que isto não tem nada a ver com educação. Ou pode-se pensar que a educação tem muito a ver com os sistemas concretos de produção e distribuição de conhecimentos de forma geral.
Uma outra área de trabalho que deve passar a interessar a educação é a organização do espaço científico domiciliar. Nestes tempos de Internet e outros produtos, um número crescente de professores está se interessando hoje em organizar o seu espaço de trabalho em casa, ultrapassando a visão de pilhas de papel, de livros perdidos e esquecidos. Como este problema deve ser enfrentado ao nível da criança, que carrega entre a casa e a escola volumes absurdos de material, sem a mínima orientação de como se organiza conhecimento acumulado de forma a torná-lo acessível quando necessário? Longe de ser secundária, a criação de ambiente propício na casa é hoje fundamental, e trata-se de trabalhar este assunto de forma organizada, na linha de ergonomia do trabalho intelectual, entre outros. É importante entender que entre a nossa geração e a geração dos nossos filhos, o volume e tempo de vida da informação mudaram radicalmente, e o que já é um problema para nós, será um problema muito maior para eles. Trata-se sem dúvida ainda, entre nós, de um problema da classe média. Mas dentro de poucos anos, quando os preços dos sistemas informáticos não se contarão mais em milhares, e sim em algumas centenas de dólares, já não será mais.
A atualidade deste espaço educacional é reforçada pelos avanços recentes das telecomunicações, que ultrapassaram de longe o ritmo de inovação da própria área informática. Um balanço realizado pela União Européia, aponta em particular para as importantes implicações destes avanços para a área da educação: "O fornecimento de serviços educacionais a distância, utilizando as infraestruturas avançadas de telecomunicações que hoje o tornam possível, constitui a única opção viável para que a dimensão européia da educação se torne uma realidade acessível para todos, e não restrita a uma pequena elite... A tecnologia hoje torna possível que as telecomunicações desempenhem um papel chave na democratização da informação e do conhecimento, equilibrando o problema de como (e não "se") o conhecimento será acessado não só pelos prósperos (cidadãos urbanos bem formados da faixa superior) mas também pelos marginalizados (seja por razões de distância geográfica, de deficiências individuais ou qualquer outra razão)."
Outro espaço que está surgindo com força é o espaço do conhecimento comunitário. Trata-se de uma área até hoje fundamentalmente trabalhada pelas Organizações Não Governamentais (as ONG's) de diversos tipos, Organizações de Base Comunitária (OBC's), Organizações da Sociedade Civil (OSC), organizações religiosas e tantas outras, que vão compondo gradualmente este novo universo chamado de Terceiro Setor. A sua importância tem sido sistematicamente subestimada no Brasil. É importante lembrar que só nos Estados Unidos o setor sem fins lucrativos, como lá é chamado, representa uma contribuição ao PIB de 700 bilhões de dólares por ano, mais do que a totalidade do PIB brasileiro. Não se trata de aprovar ou não este tipo de iniciativas, e sim de constatar que se elas se desenvolvem com tanto dinamismo, é que há um vazio não preenchido. A força deste processo, com as suas dimensões positivas e negativas, resulta da própria força do processo de urbanização, e que torna a comunidade organizável em torno do chamado "espaço de vida". A articulação com as ONG's e organizações de base comunitária, hoje intensamente conectadas aos meios modernos de comunicação, pode ser a base de um excelente canal de articulação da escola e de cada ensino específico com os problemas realmente sentidos na comunidade.
Outra área em plena expansão e que precisa de uma "reengenharia" institucional é a área de Pesquisa e Desenvolvimento. A pesquisa no Brasil apresenta duas características que devem ser vistas com realismo: o distanciamento entre a academia, a empresa e a comunidade, por um lado, e a frágil coordenação entre centros científicos por outro. Quando se visita os diversos campi científicos, fica-se impressionado a que ponto se trata de ilhas, ou de um "arquipélago" de instituições com frágil complementaridade e sinergia. Hoje qualquer pesquisador acessa em segundos no seu computador a produção científica da Europa ou dos Estados Unidos, via Internet, mas tem muito mais dificuldade para acessar a produção de outras instituições do seu próprio Estado, ou às vezes de sua própria cidade.
É essencial, de toda forma, tomar consciência que a existência das tecnologias modernas de comunicação torna hoje simples e barato realizar um salto qualitativo na convergência dos trabalhos de ciência e tecnologia no país, permitindo ao mesmo tempo maior contato entre as instituições científicas e a melhor articulação com setores empresariais e de ciência aplicada, abrindo espaço para um ambiente de progresso científico e cultural generalizado. Para a escola, e para cada professor individualmente, organizar a ponte direta de comunicação com os centros de pesquisa pode constituir uma base importante de diversificação e enriquecimento de ensino, na medida em que deixa de exigir visitas e deslocamentos caros em tempo e dinheiro.
A formação de adultos é um espaço que precisa ser revisto em profundidade. Não se pode tratar o adulto como uma criança, que precisaria recuperar o "atraso". O adulto está profundamente integrado na luta pela vida, e sistemas que infantilizam são simplesmente humilhantes. Num estudo realizado na Costa Rica, contatamos diversas comunidades no intuito de identificar prioridades educacionais, imaginando que a educação fosse a serviço delas. As propostas que surgiram se ordenaram claramente segundo três grupos de interesses. Um primeiro grupo envolve o conhecimento dos direitos individuais e comunitários, dos canais burocráticos de acesso à administração local, de organização comunitária: é a comunidade tentando fortalecer os seus "músculos" políticos. Um segundo grupo envolve técnicas de autoconstrução; organização de pequenas e micro-empresas, tecnologia de esterilização de água, formas de construção de pequenas infraestruturas, e outras técnicas ligadas à construção física do espaço comunitário. Um terceiro grupo, enfim, envolve um conjunto de áreas de conhecimento que permitem enfrentar o desemprego: corte e costura, carpintaria, microprodução caseira, etc.
No conjunto, as propostas são excepcionalmente coerentes, e mostram que o processo é viável ao se colocar a educação no nível de prestação de serviços, e não como uma imposição tecnocrática ou burocrática como foi o Mobral. Na realidade, trata-se de associar o processo educacional de uma comunidade com o conjunto dos seus esforços de modernização, desenvolvimento e recuperação de cidadania. Não se trata de questionar o universo formal de conhecimentos, e sim de integrá-lo com o processo real de transformação do cotidiano que o adulto procura.
Em outros termos, trata-se menos de oferecer um "pacote" fechado de conhecimentos, e mais de se colocar a educação ao serviço de uma comunidade que moldará o universo de conhecimentos de que necessita segundo os momentos e a dinâmica concreta do seu desenvolvimento. E neste processo é o conjunto de instrumentos, desde a aula convencional até os sistemas baratos e modernos de TV comunitária, e as novas conquistas tecnológicas, que poderão ser utilizados, num processo em que o educador é mais um "parteiro" do potencial local do que propriamente fonte de saber.
Quando repensamos a educação formal neste contexto, é para considerá-la como atividade central e organizadora, e não mais como eixo único de formação. Em outros termos, a escola tem de passar a ser um pouco menos "lecionadora", e bastante mais organizadora, ou estimuladora, de um processo cujo movimento deve envolver os pais e a comunidade, integrando os diversos espaços educacionais que existem na sociedade, e sobretudo ajudando a criar este ambiente científico-cultural que leva à ampliação do leque de opções e reforço das atitudes criativas do cidadão.
Nesta linha, o ensino superior deveria ser profundamente revisto, na medida em que poderia buscar maior impacto de mobilização das transformações, ultrapassando o seu papel hoje tão estreito de formação de elites corporativas. Em termos de cronologia do ensino, este espaço deveria ultrapassar o seu formato fechado, de licenciatura em 4 ou 5 anos, para se abrir a ciclos de atualização científica do estudante de qualquer idade. Em outros termos, é importante que um professor de matemática possa cursar um semestre de informática para se atualizar, sem necessariamente cursar toda uma faculdade, e que o conjunto de adultos profissionais do país possam passar a ver na educação superior um espaço permanente de atualização. O fechamento existente entre a carreira "acadêmica" e as carreiras "técnicas" constitui simplesmente um anacronismo. Estamos na era da flexibilidade.
Finalmente, devemos abrir a escola para o mundo que a cerca. Uma proposta prática é assegurar que crianças já no início da adolescência visitem de forma sistemática e programada diversos tipos de empresas, bancos, micro-empresas familiares, empresas públicas etc., rompendo com a situação absurda do aluno ver a distancia entre o que aprendeu e o mundo real somente quando chega aos 18 anos. Há experiências numerosas neste sentido, e devemos tomar medidas renovadoras com urgência. E não podemos mais considerar o aluno como pessoa em "idade escolar", porque há cada vez menos "idade" para isso.Um exemplo evidente é a universidade para idosos: como a terceira idade é hoje um período da ordem de duas a três décadas, a formação para um conjunto de atividades possíveis adquiriu grande importância.
De forma geral, o professor funciona num espaço só, a escola. Mas o aluno constrói gradualmente a sua visão de mundo a partir de um conjunto de espaços que hoje trabalham o conhecimento, e a conexão da escola com estes diversos universos, tornada possível pelas novas tecnologias, é essencial. A escola pode celebrar convênios com emissoras de televisão para ter acesso a uma série de programas interessantes. Podem ser realizadas teleconferências com membros da comunidade sobre os problemas locais, para confrontar diversos pontes de vista. Podem ser entrevistados on-line especialistas científicos sobre um problema que um professor está discutindo no momento com alunos. Enfim, o potencial é imenso. Muitos professores têm a cabeça aberta para este tipo de inovações, de articulações dos diversos espaços do conhecimento.
Por outro lado, é freqüentemente difícil um professor tomar estas iniciativas, sem o respaldo da instituição onde trabalha. Em outros termos, não basta a adaptação da atitude e das práticas pedagógicas: é preciso organizar a escola, as diversas instituições, para que isto seja possível.
6 – Tecnologias do conhecimento e tecnologias organizacionais
O uso adequado das novas tecnologias passa por transformações organizacionais. Em si, o computador, a internet, as novas tecnologias em geral permitem apenas acelerar e conectar as atividades. As bobagens, não custa repeti-lo, podem hoje ser feitas em volume muito maior, e muito mais rapidamente.
O professor realmente existente sofre a permanente pressão de um sem-número de atividades pontuais, e não se pode simplesmente ver as transformações em curso, com a enorme abrangência que implicam, como mais uma tarefa, mais uma atividade. Trata-se de articular de forma organizada, dentro dos horários e dos espaços escolares, os novos enfoques. Se não houver este redimensionamento organizado, fica realmente cada professor tentando sozinho equilibrar novas práticas, que podem até entrar em choque com orientações mais conservadores de outras áreas do estabelecimento.
Antigamente, as empresas organizavam a sua informatização criando um Centro de Processamento de Dados, o misterioso CPD, com os seus misteriosos especialistas. Só mais tarde se entendeu que a informática e a comunicação devem constituir um sistema de redes extremamente solto e difuso dentro das empresas, permitindo um fluxo amplo de informação entre todos os trabalhadores. As TCI deixaram de ser a especialidade de alguns, para ser uma dimensão do trabalho de todos, e os "especialistas" se tornaram mais modestamente agentes de manutenção do sistema.
Na escola, o processo é diferente, mas envolve igualmente esta lenta assimilação, e os dilemas organizacionais. Gera-se um "laboratório" de informática, com o dono da chave do laboratório, horários estritos de uso, e uma "disciplina" de informática, como se fosse mais uma área de estudo. A imagem que se usa relativamente a este enfoque, é que equivaleria, no caso de um lápis, a fazer aulas de "lapisologia". No caso das novas tecnologias, não se trata de estudar o computador, e sim de se acostumar a utilizá-lo nas diversas matérias. O aluno que usa a internet, deve pensar no seu objeto de interesse, e não na internet, da mesma forma que uma pessoa que faz um exercício não pensa no lápis, mas no problema substantivo que lhe interessa.
Constitui um fator importante também o fato de um número crescente de alunos disporem de computadores e de ligações internet nas suas casas, podendo se gerar um tipo de rede, flexibilizar usos fora de horário da escola, estimular trabalhos extra-escolares que aproveitem estas disponibilidades, além de criar, fato de crescente importância, uma rede de relações entre a escola e a comunidade.
Coloca-se igualmente o problema da tradicional segmentação do horário escolar, os 45 ou 50 minutos, que entram crescentemente em tensão com o aprofundamento de estudos e trabalhos interdisciplinares em torno de temas, formas ricas de trabalho mas que exigem uma distribuição mais flexível do tempo.
Os trabalhos por temas envolvem por sua vez a organização do espaço de trabalho. Há escolas que passam a trabalhar em salas com subdivisões, com mesas acopladas em círculos que permitem trabalho em grupo, interações diversas. É interessante ver que hoje universidades como a McMaster, na área de medicina, aboliram simplesmente o sistema de aulas, transformando o trabalho do professor num tipo de assessoria a grupos de estudos constituídos pelos alunos.
A facilidade crescente de consulta aos professores via internet muda igualmente a organização de trabalho. Muitos professores hoje já disponibilizam material científico de consulta em sites pessoais, ou na home-page da escola, em vez de recorrer aos tradicionais escaninhos com fotocópias. E os alunos se acostumam gradualmente a consultar os professores via e-mail, a submeter os seus trabalhos a uma apreciação intermediária e assim por diante.
Não é aqui o lugar de redefinir estas formas de organização, que serão seguramente diferentes segundo as condições, a cultura local, o interesse das pessoas, as resistências à mudança encontradas. Os próprios pais resistem freqüentemente a qualquer "modernismo" ou até a simples formas mais inteligentes de organizar o trabalho, por insegurança, ou por excessiva fixação no objetivo único da "performance" no vestibular.
Em outros termos, não se trata aqui de sonhar com transformações revolucionárias e imediatas, e sobre tudo com transformações muito padronizadas. Mas a realidade é que as dimensões organizacionais, de tempo, espaço, hierarquias, divisões em disciplinas e outros temas estarão se colocando de maneira cada vez mais premente, e será preciso começar a trabalhar neste sentido.
7 – Tecnologias do conhecimento e desafios institucionais
É importante ter presente que as novas tecnologias colocam desafios organizacionais na escola, mas também colocam desafios institucionais mais amplos ao sistema educacional em geral.
Estas mudanças não são fáceis. Quando vemos a quantidade e qualidade das sugestões referentes à educação no Brasil, e as confrontamos com o processo real, vem-nos à mente o conceito de "impotência institucional" que utilizamos para caracterizar a perda de governabilidade na administração pública em geral. Quando boas idéias e pessoas bem intencionadas e com poder formal não levam a resultados, é preciso avaliar de forma mais ampla os mecanismos de decisão e a dimensão institucional do problema.
Além disto, é importante a nosso ver entender que a transformação dos espaços do conhecimento não pode se dar apenas de dentro dos espaços da educação: exige ampla participação e envolvimento de segmentos empresariais, dos sindicatos, dos meios de comunicação, das áreas acessíveis da política, dos movimentos comunitários, dos segmentos abertos das igrejas etc., na gradual definição dos nossos caminhos para a sociedade do conhecimento. A educação desempenha um papel chave nestas transformações, mas é um dos atores, e não pode olhar apenas o seu próprio universo, sobretudo se o seu papel deverá ser crescentemente o de articulador nos diversos subsistemas.
Não há fórmula para as alternativas institucionais. Mas é essencial a consciência de que muitas vezes, quando os problemas substantivos não estão sendo tratados, não se trata de maquiavelismos políticos, e sim do fato que não foram definidas as propostas de articulação institucional que permitam que sejam tratados. E na realidade, as tendências para a flexibilização e para a descentralização que hoje se manifestam no sistema educacional brasileiro constituem sem dúvida uma base extremamente significativa para as transformações necessárias.
É freqüentemente útil dar uma olhada nas transformações institucionais que estão aparecendo em países onde o uso das tecnologias da informação está bastante mais adiantado. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi criado o National Center on Education and the Economy, um espaço de criação de idéias que permite a confluência da visão dos educadores, das empresas, dos sindicatos e das administrações públicas. Não há dúvida que este tipo de espaço pode se tornar um instrumento de manipulação política, e não seria esta talvez a estrutura adequada ao Brasil. Mas a própria idéia de que devemos trabalhar com a criação de espaços de elaboração de consensos entre os atores chave que intervêm no processo, estes ou outros, é essencial, tanto no plano nacional, como no plano do município, ou da comunidade.
As transformações que nos interessam mais diretamente se dão sem dúvida na base, na própria escola. Mas é importante termos esta visão de que é o conjunto do edifício educacional que esta progressivamente se reformulando. É uma era onde não só somos chamados a nos entrosar melhor na compreensão das novas tecnologias e dos novos desafios, mas também a trazer idéias sobre soluções institucionais que geram melhores condições de sua aplicação.
As transformações em curso, em termos institucionais, podem ser agrupadas em torno de três grandes eixos. Por um lado, trata-se do já mencionado sistema de alianças e parcerias com comunidades, organizações da sociedade civil, sindicatos, empresas, meios de comunicação, enfim, o conjunto do novo universo que, como a educação, está se reconstruindo em torno da chamada organização do conhecimento. Por outro lado, trata-se da redefinição do que se faz no nível ministerial, no nível estadual, no nível municipal, e no nível da comunidade, num processo de redefinição da hierarquia de decisões. Finalmente, trata-se da horizontalização geral do sistema através da organização das redes. Aqui também, não se trata só do universo da educação: é o conjunto das atividades humanas que evolui do conceito tradicional de autoridade em "pirâmide", para o que já se chama de "sociedade em rede", a network society.
A educação, que trabalha com informações e conhecimento, e cuja matéria prima é portanto de total fluidez nos novos sistemas de informática e telecomunicações, é sem dúvida a primeira a ganhar com o conceito de rede, de unidades dinâmicas e criativas que montam um rico tecido de relações com bancos de dados, outras escolas, centros científicos internacionais, instituições de fomento e assim por diante. Esta nova e revolucionária conectividade, substituindo as pesadas e inoperantes pirâmides de inspetores, controladores e curiosos nomeados por razões diversas, pode dinamizar profundamente todo o sistema. Não é complicado imaginar uma conferência aberta de diretores escolares para intercâmbio de propostas pedagógicas, o intercâmbio de textos entre professores de uma área e de diversas escolas, ou um sistema informatizado de apoio da Secretaria de Educação para consultas pedagógicas permanentes de professores e assim por diante.
Em outros termos, no quadro de uma sociedade do conhecimento que trabalha com subsistemas muito diferenciados que evoluem de forma dinâmica e articulada, necessitamos de formas diferenciadas e flexíveis de gestão, o que só pode ser conseguido com ampla participação dos interessados. A tradicional hierarquia vertical e autoritária, movida por mecanismos burocráticos do Estado, ou centrada no lucro e no curto prazo da empresa privada, simplesmente não resolve.
Vejamos algumas implicações práticas no plano institucional:
Em primeiro lugar, a visão estreita do universo educacional deve dar lugar a uma concepção mais ampla e integradora da gestão do conhecimento social, visto como capital da humanidade e intensamente interrelacionado nas suas diversas dimensões.
Esta visão, por sua vez, deve apoiar-se ativamente nos avanços tecnológicos recentes que estão gerando uma transformação qualitativa nas áreas do conhecimento em geral, exigindo uma ampliação dos nossos enfoques, e em particular um trabalho sério de análise para sabermos como incorporar estas inovações na perspectiva de uma educação progressista e menos excludente.
Os avanços tecnológicos mencionados estão gerando novos espaços de conhecimento, que exigem tratamento diferenciado e articulado. É importante mencionar que a ausência ou insuficiência de políticas dinâmicas nestas novas áreas, cria um vazio que favorece o surgimento de uma "indústria do conhecimento", levando frequentemente à formação de micro-ideologias desintegradoras – veja-se o fanatismo de certas ideologias empresariais, de certos movimentos religiosos, ou de certos tipos de programas de televisão – prejudicando uma visão humanista mais ampla que um processo geral de integração social através do conhecimento pode proporcionar.
A ocupação destes espaços exige uma convergência de atores sociais interessados, incluindo tanto educadores como empresários, sindicatos, movimentos comunitários e outros, na linha da constituição da base institucional e política do processo de renovação e ampliação de atividades ligadas à informação e ao conhecimento.
De toda forma, é importante ter presente que se as novas tecnologais de comunicação e informação estão reorganizando a indústria, os bancos, a agricultura e tantas outras áreas, é natural que o edifício educacional, para quem o conhecimento é a sua própria matéria prima, tem de abrir o seu horizonte de análise, aproveitando o manancial de possibilidades que se abrem, batalhando por espaços mais amplos e renovados, com tecnologias e soluções institucionais novas.
8 – Comunicação, escola e comunidade
Simplificando talvez um pouco, podemos dizer que o controle dos espaços do conhecimento, quando passa para o nível global, entra na órbita do poder das transnacionais e dos critérios de lucratividade, enquanto o resgate do controle pela sociedade civil, visando colocar o conhecimento a serviço do desenvolvimento social e do enriquecimento cultural mais amplo, passa pelo desenvolvimento dos espaços participativos locais. Esta visão mais comunitária e socialmente enraizada dos processos educativos não nos remete à segmentação: pelo contrário, o próprio surgimento das novas tecnologias nos permite desenvolver atividades articuladas em redes horizontais interativas, capitalizando-se tanto a vantagem da proximidade social como da conectividade universal. De certa forma, a globalização nos obriga a redefinir as nossas estratégias de trabalho, reforçando as âncoras que representa o espaço local, mas numa perspectiva de ampla articulação e de coordenação horizontal e descentralizada.
Neste sentido, adquire importância fundamental, em termos de orientação das nossas iniciativas, o rápido processo de urbanização do planeta. No caso do Brasil, o impacto é particularmente forte e, como é freqüente com mudanças estruturais de longo prazo, subestimado. Nos anos 50, éramos um país onde dois terços dos habitantes eram populações rurais dispersas. Todas as decisões, como era natural, eram tomadas na capital, onde se concentravam o governo, os bancos, a capacidade técnica. Hoje, numa inversão histórica, temos 80% de população urbana, o que tende a deslocar radicalmente o eixo de decisões do país: as cidades se tornam a unidade básica de gestão social.
Não que esta visão tenha amadurecido muito no Brasil. Como país de urbanização tardia, ainda não nos demos conta das implicações políticas e institucionais da revolução demográfica que sofremos. Basta comparar onde se dão as decisões referentes ao uso dos recursos públicos, nos países mais ricos, de urbanização mais sedimentada, e nos países em desenvolvimento, de urbanização recente: em média, os países do primeiro mundo gastam através de mecanismos locais de decisão entre 40 e 60% dos recursos públicos, enquanto nos países em desenvolvimento a cifra correspondente mal chega aos 10%. O Brasil, com nova constituição, chega nas visões mais otimistas a 17%.
Em outros termos, estamos somente agora começando a entender que a gestão urbana não consiste apenas em cosmética urbana: trata-se do espaço por excelência onde as iniciativas de obras públicas, de saúde, de emprego, de dinamização econômica, de formação de mão de obra, de comunicação e cultura e outras, podem se integrar e se articular numa visão de conjunto que tenha pé e cabeça. Onde as estruturas administrativas de diversos níveis, as empresas, os sindicatos, as faculdades ou escolas, as organizações comunitárias, os meios locais de comunicação, poderão se articular para definir uma política adequada às condições locais, e gerar parcerias capazes de construir uma visão local e regional que tenha pé e cabeça.
Hoje algumas centenas de municípios no Brasil já estão construindo concretamente estas novas visões, articulando formação de mão de obra com financiamento comunitário para dinamizar a formação de pequenas e médias empresas, desburocratizando a gestão, criando sistemas participativos de definição de prioridades orçamentais e assim por diante. Ainda é muito pouco, mas esta reconstrução do país pela base constitui sem dúvida uma das dinâmicas mais importantes onde a educação de jovens e adultos poderá se articular com políticas mais amplas.
De certa forma, os diagnósticos e o marco conceitual se juntam. A tragédia planetária em termos sociais está reorientando as prioridades para o desenvolvimento humano, e não mais o mero crescimento econômico. As tecnologias, ao mesmo tempo que exigem um conteúdo mais elevado de conhecimento nas atividades humanas em geral, estão transformando as atividades de formação e de gestão de conhecimento no eixo prioritário renovação das formas de desenvolvimento. O social emerge como principal setor de atividades econômicas, e não mais como mero instrumento útil para melhorar a "economia". A urbanização permite articular o social, o político e o econômico em políticas integradas e coerentes, a partir de ações de escala local, viabilizando – mas não garantindo, e isto é importante para entender o embate político – a participação direta do cidadão, e a articulação dos parceiros.
A gestão social aparece assim como eixo prioritário de transformação social. Um ponto de referência prático para esta visão teórica pode ser encontrado nas atividades da Câmara Regional do Grande ABC , onde 7 municípios se articularam para dinamizar as atividades locais da indústria de plásticos: a formação é coordenada pelo sindicato dos químicos, em parceria com as empresas, Senai, Sebrae, empresas, faculdades e colégios locais, com apoio financeiro do Fundo de Apoio ao Trabalhador e outros que se articularam no processo. Programas de alfabetização como o Mova e de formação de jovens como o Seja criam um processo mais amplo de mobilização. O IPT aderiu ao projeto criando um sistema móvel de apoio tecnológico à pequena e média empresa (projeto Prumo). A Unicamp participou com a realização de um diagnóstico do setor plástico regional, e as pequenas e médias empresas se articulam por meio de reuniões periódicas da região. O conjunto das iniciativas, estas e outras, encontra a sua lógica e coerência através da Câmara Regional, que reúne as administrações municipais da região, além de representantes de outras instâncias do governo e da sociedade civil. As diferenças do espectro político das prefeituras da região não impediram a articulação desta rede onde as diversas iniciativas - formação de jovens e adultos inclusive - se tornam sinérgicas em vez de dispersivas.
Isto nos orienta de uma visão tradicional da empregabilidade que consistiria em criar, através da formação, a capacidade individual de encontrar um emprego, para uma visão integrada de desenvolvimento que cria ao mesmo tempo os horizontes e a capacidade de caminhar.
Se esta orientação é clara, muito menos claras são as formas de implementar as políticas correspondentes. Uma das mais significativas riquezas do desenvolvimento local, resulta justamente do fato de se poder adequar as ações às condições extremamente diferenciadas que as populações enfrentam. Em outros termos, não há fórmula universal, e sim um conjunto de orientações, ou princípios, que devem permitir a identificação, em cada comunidade onde desenvolvemos a educação de jovens e adultos, das formas de atuação que melhor podem deslanchar um processo de autoconstrução educativa.
O universo cultural dos indivíduos ou de uma comunidade não possui uma gaveta estanque para "educação": os processos educativos devem articular-se com os diversos espaços de conhecimento existentes, envolvendo a televisão, a formação empresarial, as dinâmicas religiosas e assim por diante. A tarefa da educação se complementa assim com a articulação de atores sociais, promoção de eventos que aproximam as pessoas, identificação de problemas econômicos ou sociais que a comunidade possa enfrentar de maneira organizada e assim por diante.
Uma vez mais, a conectividade gerada pelas novas tecnologias tende a tornar estes processos mais simples, mais naturais e mais fáceis. Cabe a nós aproveitar as oportunidades.
9 – Comunicação e Poder: os novos desafios
Quando estudamos as formas da educação aproveitar o imenso potencial oferecido pelas tecnologias da comunicação e informação, devemos lembrar claramemente que não somos os únicos interessados. Inclusive, estamos atrazados, e somos, em termos econômicos, os primos pobres deste universo.
Vimos que o que estamos vivendo é uma transformação social tão ampla, que gera uma sociedade do conhecimento, da mesma forma como tivemos uma sociedade agrária e uma sociedade industrial. As implicações são profundas: as diversas sociedades agrárias se estruturaram politicamente e em termos de relações de produção em torno ao controle do fator chave, a terra; a sociedade industrial se estruturou politicamente e em termos de relações de produção em torno ao controle dos meios de produção, da máquina; que estrutura política e que relações de produção estarão implícitas nas sociedades onde o fator chave passa a ser o conhecimento? Para a terra, delimita-se o feudo, ou se coloca a cerca. Para a fábrica, colocam-se os muros e a portaria. Para o conhecimento, se faz o que? Na fábrica, o proprietário se apropria do excedente, o trabalhador recebe o salário. Como se define o acesso ao produto na nova sociedade que se estrutura. Por enquanto, no vale tudo por dinheiro que caracteriza a nossa sociedade, o professor tem o salário que tem, enquanto Bill Gates tem uma fortuna pessoal que se aproxima do PIB da Inglaterra. No mínimo, é uma repartição curiosa das contribuições para o conhecimento.
Alguns poucos dados colhidos nos relatórios das Nações Unidas nos dão a escala da mudança: entre 80 e 90% da inovação tecnológica são controlados por algumas centenas de empresas transnacionais; o conjunto do Terceiro Mundo, com quatro quintos da população mundial, representa cerca de 3% dos gastos mundiais em pesquisa e desenvolvimento; os países pobres não têm uma só agência de notícias para veicular mundialmente os seus problemas; os gastos em publicidade atingem 435 bilhões de dólares por ano segundo as estimativas mais conservadoras; o americano médio, que lê uns poucos livros no decorrer da sua vida, assiste neste período a uma média de 150 mil mensagens publicitárias na televisão; as escolas hoje receberem softwares educacionais de graça, mas com mensagens empresariais incorporadas; revistas científicas universitárias descobrem com espanto que dezenas de cientistas de renome escreviam cartas tranqüilizando a população sobre os efeitos de cigarro, recebendo discretamente uma média de US$10 mil por carta publicada.
Os sistemas públicos e preventivos de saúde se vêm engolidos pelo movimento dos gigantes financeiros que são as seguradoras. A educação está sendo rapidamente flanqueada pelas empresas transnacionais nas áreas da pesquisa, pelos novos gigantes mundiais da mídia na informação, pelas empresas de publicidade na formação de valores. O que foram ontem os tycoons da indústria e do petróleo, hoje são os Gates, Murdoch, Turner, Bertelsmann.
Há hoje uma guerra pelo controle destes vários segmentos que tendem a formar, cada vez mais, um espaço comum interativo: a cultura, a informação, a educação, a pesquisa, a comunicação. Este eixo está se tornando na espinha dorsal de uma série de transformações estruturais no planeta. Não se pode mais falar de uma ilha no meio do processo, o universo educacional, sem se referir ao processo de transformação maior.
Um segundo ponto essencial: articulada como dimensão dos diversos setores de atividades econômicas e sociais, a comunicação tende a se tornar um gigantesco setor econômico em sí. Um editorial do Business Week lembra que este conjunto de atividades, que eles chamam de entertainment industry, indústria do entretenimento, tornou-se hoje a locomotiva da economia norte-americana, ultrapassando setores como a indústria automobilística ou a indústria bélica. Esta área não é mais um "apoio" aos negócios, ela é o negócio. Se considerarmos as 12 empresas mais performantes nos Estados Unidos, selecionadas na tradicional listagem dos 500 "top corporate performers" da S&P, encontramos 8 empresas na área informática e de telecomunicações, uma de finanças não-bancárias (leia-se especulação financeira, onde tudo é informática e telecomunicação), duas empresas de saúde (também um novo Big Business, hoje controladas por seguradoras, por sua vez associadas aos bancos), e uma empresa de griffe de roupa, baseada essencialmente na venda de imagem. A Disney, com os seus simpáticos ratinhos, mas também com grandes redes de informação como a ABC, é hoje o segundo grupo mundial de mídia. O seu presidente, Michael Eisner, tem um também simpático salário anual de 575,6 milhões de dólares. Os ratinhos já não são nada virtuais, e têm longos e afiados dentes políticos. A mudança do papel desta área na sociedade é qualitativa, obrigando-nos a repensar o conjunto da visão que temos de como a sociedade se transforma.
Terceiro ponto básico: as diversas atividades "substantivas" estão cada vez mais articuladas com os meios de informação, e as fronteiras tendem a ficar borradas. Bill Gates, com a imagem degradada com os processos anti-truste, lançou um livro em 1999, Business @ the Speed of Thought, com algumas idéias e muita cosmética. A revista Time, de imensa circulação, colocou Gates na sua capa, e ofereceu gentilmente seis páginas de resenha do seu livro, o que constitui uma generosidade impressionante. Dando uma olhadinha nos bastidores, constata-se que a revista Time é publicada pela Time-Warner, sendo que a Warner Books é a editora do livro, e a Time-Warner tem importantes conexões econômicas com a Microsoft, que por sua vez está articulada com um sem-número de áreas empresariais. Este é apenas um exemplo, entre tantos outros, do que é hoje uma ampla tendência de confluência organizada de interesses. A revista Time explica naturalmente que o livro é muito interessante. Afinal, como sabemos, a comunicação apenas reflete a realidade, não a produz.
Rupert Murdoch, o gigante da mídia, busca a compra do time inglês de futebol Manchester United. O seu conhecimento de futebol é nulo. Mas como tem as emissoras da TV, compra times de futebol: com a capacidade de transmissão numa mão, e os jogadores (local onde se pendura publicidade) na outra, basta esperar os clientes. As redes de comunicação tendem a adquirir empresas dos mais variados setores, processo perfeitamente coerente com a evolução das atividades produtivas mais nobres para os "intangíveis". O gigante empresarial Pearson é dono do Financial Times, um dos principais instrumentos de informação financeira do mundo. Em 1998, comprou a grande editora universitária norte-americana Simon & Schuster, por 4,6 bilhões de dólares. Marjorie Scardino, texana que controla a empresa, "acredita que a educação é o futuro da empresa. As suas ambições on-line são particularmente ambiciosas. Neste outono (fins do ano 2000) Pearson espera lançar learning network (rede de aprendizagem) que visa ser o destino internet para treinamento e educação nos Estados Unidos".
O "Relatório sobre o Desenvolvimento Humano 1998", das Nações Unidas, constata que com 40 bilhões de dólares adicionais seria possível "conseguir e manter o acesso universal à educação básica para todos, cuidados de saúde reprodutiva para todas as mulheres, alimentação adequada para todos, água segura e saneamento para todos. Isto representa menos de 4% da riqueza somada das 225 pessoas mais ricas no mundo".O relatório estima os gastos atuais em publicidade em cerca de 435 bilhões de dólares por ano. Já se calculou que para liquidar a tragédia de 180 milhões de crianças que passam fome no planeta, os custos seriam inferiores ao que se gasta anualmente com publicidade de cigarros nos Estados Unidos. Os meios de informação e comunicação, como instrumento central de canalização de interesses e motivações na sociedade, desempenham um papel determinante na formação dos valores, ou apenas refletem estes valores ?
Em outros termos, estamos entrando num universo que não tem nada de inocente, ocupado por gigantes financeiros e midiáticos, veiculando valores que podem representar exatamente o que não gostaríamos que contaminasse os nossos alunos. No entanto, estes alunos passam horas diariamente frente à televisão, jogam os jogos mais malucos e violentos que acessam na internet, são submetidos aos mesmos bombardeios publicitários. Não há mais ilhas culturais. Este novo universo de poder, devemos enfrentá-lo e domá-lo, e não fingir que não existe. O poder é um problema real.
10 – O potencial de democratização
O que era a área mais rica e mais nobre do intercâmbio social de valores e de criatividade, a cultura, está sendo apropriado pelo big business. Cabe sem dúvida a crítica a este processo. Mas cabe também entender que estas mesmas tecnologias poderão se tornar o suporte de um fantástico enriquecimento social, se soubermos criar as condições políticas e institucionais que redirecionem o seu uso.
É essencial também uma visão orientada para o futuro. Ao olharmos o passado, uma cultura menos dominada por grandes grupos econômicos tinha também um caráter extremamente elitizado. A cultura era coisa de salão. O livro era coisa para uns poucos privilegiados. Ver um belo espetáculo era para quem tinha possibilidade de ir ao teatro. Hoje, muitos prazeres deste tipo chegam por exemplo a 92% dos domicílios brasileiros, que é a porcentagem de domicílios com aparelho de televisão. Mais uma vez, trata-se de não jogar a criança junto com a água do banho, e entender o imenso potencial que se abre. É o controle monopolizado dos meios mundiais de comunicação que está em jogo, e não a revolução positiva que estes meios permitem.
A importância da democratização dos meios de comunicação que dão suporte à divulgação cultural tem duas faces. Por um lado, trata-se de assegurar que este meio essencial de comunicação de uma sociedade mundializada respeite as diversas culturas, os diversos ambientes sociais, as minorias, a riqueza cultural do mundo, evitando a pasteurização generalizada do Marlboro country, ou a chamada "Mcdonaldização" do planeta. Ou seja, a democratização é essencial para a riqueza cultural dos próprios meios de comunicação.
Por outro lado, e mais importante ainda, está o fato que estes meios de comunicação são hoje vitais para a formação de atitudes e valores relativamente a todas as áreas da reprodução social. É vital a elevação geral da cultura ambiental, por exemplo, para refrear o ritmo atual de destruição dos recursos. É vital criar um grande número de instrumentos locais de comunicação, funcionando em rede, conectando-se a sistemas mais amplos ou globais segundo interesses diversificados, para permitir a gradual harmonização do desenvolvimento econômico no mundo, por meio de redes de consulta tecnológica ou outras. É vital disponibilizar amplas redes de comunicação para transformar a educação num processo interativo de enriquecimento mútuo de escolas de qualquer parte do mundo
Em boa parte a importância do exemplo citado da PBS (Public Broadcasting System) dos Estados Unidos, prende-se ao fato de se ter encontrado o equilíbrio necessário entre empresa privada e paternalismo estatal, entre financiamento próprio e subvenções, entre gestão autoritária e participação comunitária, entre competência técnica e gestão democrática.
Por enquanto, estas soluções criativas constituem a exceção. Na medida em que compreenderam a imensa alavanca econômica que representa controlar a circulação de informações numa sociedade centrada no conhecimento, grandes empresas se lançaram com unhas e dentes na disputa dos novos espaços das telecomunicações que, e enquanto geravam mais custos que lucro, eram pacificamente geridas pelo Estado em qualquer parte do mundo.
O elemento essencial, em termos de estrutura do setor, é a convergência de três grandes forças: as corporações transnacionais em geral, os grandes grupos de controle das comunicações, e os grupos políticos tradicionais. Ninguém nega hoje o peso da mídia na formação da consciência política. Nas palavras de Galbraith, "que a idealização não disfarce a realidade: nos Estados Unidos; uma parte influente dos meios de comunicação define como verdade a atitude política atualmente popular". No século XIX, Benjamin D'Israeli, que dirigia a política da rainha Victória da Inglaterra, resumia a questão de maneira bem simples: "He who controls information, controls reality", quem controla a informação, controla a realidade...
A própria mídia, segundo David Korten, trabalha no sentido das empresas transnacionais: "Nas sociedades modernas, pode-se considerar que a televisão se tornou a instituição de reprodução cultural mais importante. As nossas escolas são provavelmente a segunda mais importante. A televisão já está totalmente colonizada pelos interesses corporativos, que agora buscam apropriar-se das escolas. O objetivo não é simplesmente vender produtos e fortalecer a cultura consumista. Trata-se também de criar uma cultura política que identifica os interesses das corporações com o interesse humano na mente do público...Este reordenamento da realidade começa com a declaração de que numa economia de mercado, o consumidor decide e o mercado responde. No mundo de pequenos compradores e vendedores, isso pode ter sido verdade. Nenhum vendedor individual deveria esperar criar uma nova cultura que leve a que se compre o seu produto. Essa não é a nossa realidade corrente. As corporações atuais não têm reservas quanto a reformar os valores de toda uma sociedade para criar uma cultura homogeneizada orientada no sentido de estimular gastos de consumo e de avançar os interesses políticos das corporações." Trata-se assim de "cultivar valores políticos alinhados com os interesses das corporações". Sabemos que no Brasil manifestam-se os mesmos problemas, só que dão a impressão de serem vistos através de uma lente de aumento.
O mais importante é entender que a conectividade global revoluciona profundamente as próprias bases da nossa organização social. Este potencial pode se transformar, na linha de uma internet universal, num tipo de pool mundial de informações e entretenimento, gerando uma verdadeira sociedade do conhecimento, ou se tornar um instrumento global de manipulação, fator de empobrecimento cultural, de dominação política, e de desequilíbrios econômicos mais profundos.
No conjunto, não podemos mais buscar soluções isoladamente na educação, ou na comunicação, ou em diferentes em espaços culturais. É a dimensão do conhecimento, nas suas mais diversas manifestações, que mudou de forma radical. O mundo do capital batalha hoje de maneira impiedosa este novo continente econômico. O mundo dos intelectuais, da educação, da cultura no sentido mais significativo – dos que fazem efetivamente a cultura – ainda permanece bem alheio a uma guerra onde estão se decidindo os destinos de todos nós.
Resumo e Conclusões
O objetivo deste texto é trazer uma visão sistematizada dos desafios que a educação enfrenta, quando precisa redefinir as suas funções, formas de organização e até valores, para fazer face às transformações tecnológicas em curso. Privilegiamos aqui 10 pontos. Vamos revê-los brevemente, para formar uma visão de conjunto.
1 – Estamos passando de um universo onde o conhecimento era trabalhado por um segmento especializado da sociedade, o mundo da educação, para um universo onde o conjunto das atividades humanas se torna intensivo em conhecimento. A gestão do conhecimento torna-se assim um espaço mais amplo, no qual a educação tem de reconstruir o seu papel, reencontrar o seu lugar.
2 – A pressão por um nível mais elevado de conhecimentos atinge todos os setores, agricultura, indústria, bancos, saúde, a própria educação. Com isto, a educação deixa de ser uma breve passagem pelos "bancos" escolares, na preparação para a vida profissional. Trata-se de aprender e reaprender em todas as fases da nossa vida, e de reorganizar a educação em função do novo universo.
3 – Ao mesmo tempo em que se transformou radicalmente o volume de conhecimentos, desenvolveram-se novos instrumentos para organizá-los, acessá-los, transmiti-los: as tecnologias de comunicação e informação. Mudam radicalmente as ferramentas que permitem lidar com o conhecimento. Além de serem novas, estas ferramentas estão em pleno desenvolvimento e transformação.
4 – Juntando as duas grandes transformações, do universo do conhecimento, e das ferramentas de trabalho, fica bastante óbvio que uma área como a educação tem de repensar os seus paradigmas. Não se trata de um pouco de cosmética, trata-se de uma reforma em profundidade.
5 – Na medida em que o conhecimento se torna gradualmente a matéria prima privilegiada de todas as áreas de atividade, e que surgem novos espaços como a formação nas empresas, as televisões, internet e outros, cresce o papel da área especializada em conhecimento que é a educação, como possível articuladora dos diversos subsistemas. O que não é mais possível, é ver a educação como universo isolado, ou ver a educação sem compreender as suas complementaridades com outros espaços do conhecimento.
6 – Não basta assimilar informática, internet e outras tecnologias do conhecimento: as novas tecnologias trazem transformações nas formas de trabalhar o conhecimento, e exigem por sua vez novas formas de organização do tempo, do espaço, das relações internas da escola: são as chamadas mudanças organizacionais.
7 – Além das mudanças organizacionais, no nível da escola, enfrentamos mudanças institucionais mais amplas no universo da educação. Está se gerando um universo mais descentralizado, mais flexível, mais participativo, mais interativo, única forma de enfrentar os novos desafios.
8 – A escola pertence a um espaço, a uma comunidade. O conhecimento nas suas novas dimensões exige uma interação muito maior entre a escola e o seu espaço social. As novas tecnologias, ao facilitar a conectividade, podem constituir uma ponte e melhorar a integração. Numa sociedade cada vez mais individualizada, e sedenta de sociabilidade, a escola pode neste sentido desenvolver novos papéis.
9 – O espaço que procuramos ocupar com a escola e as novas tecnologias não é mais um espaço vazio. Poderosas corporações da mídia, da informática, de pesquisa e desenvolvimento, buscam controlar os novos espaços. O desafio das novas tecnologias não é apenas técnico e pedagógico: é também um desafio de poder.
10 – Por outro lado, a facilidade de comunicar entre escolas de uma região ou com instituições de outros países, de facilitar a comunicação entre alunos e professores por e-mail, de fazer entrevistas on-line com cientistas, tudo isto abre um gigantesco espaço de democratização e de reequilibramento social através das novas tecnologias.
Privilegiamos assim, para a compreensão do leitor e para animar o debate, alguns grandes "núcleos" de problemas. No conjunto, as transformações são demasiado recentes, e as tecnologias demasiado abrangentes, para se buscara conclusões, para se desenhar um tipo de "manual do usuário" das novidades que surgem. As novas dinâmicas deverão ser construídas por todos nós.
No início deste trabalho, citamos a famosa mensagem para educadores, deixada por um prisioneiro de campo de concentração da Alemanha nazista. Isto era nos anos 1940. Uma olhadinha na atualidade nos traz a imagem seguinte, apresentada por um relatório das Nações Unidas de 1998: Não se conseguem os 6 bilhões de dólares que seriam necessários para colocar nas escolas quem está fora delas, no planeta; tampouco se conseguem os 9 bilhões para assegurar água e saneamento para todos, ou os 13 bilhões necessários para assegurar saúde básica e nutrição para todos. Mas se conseguem 8 bilhões para cosméticos nos Estados Unidos, 11 bilhões para sorvete na Europa, 17 bilhões para ração para animais de estimação, 50 bilhões para cigarros na Europa, 400 bilhões para narcóticos e 780 bilhões para gastos militares no mundo. O relatório das Nações Unidas apresenta estas cifras com um título irônico: "Prioridades do Mundo?"
Os efeitos são devastadores. Morrem hoje 11 milhões de crianças por ano, de causas ridículas, quando temos dinheiro, técnicas e meios organizacionais para acabar com a tragédia. Meio milhão de crianças se tornam cegas, anualmente, por falta de vitamina A O custo anual por criança seria da ordem de 10 centavos de dólar. Hitler matou milhões. Era um bárbaro. Nós apenas deixamos morrer. E ouvimos, pasmos e impassíveis, uma grande e moderna empresa farmacêutica explicar que não é rentável produzir medicamentos para pobres, porque a demanda efetiva (isto significa dinheiro) é insuficiente.
O grande desafio da educação, é o de mobilizar as suas forças para reconstruir uma convergência entre o potencial tecnológico e os interesses humanos. O mundo da educação, no Brasil, juntando alunos e professores, representa cerca de 40 milhões de pessoas. É uma força. O novo peso do conhecimento no planeta, e da educação nos processos de reprodução social, podem constituir uma poderosa alavanca de humanização social.
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Ladislau Dowbor (ladislau@ppbr.com) é professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e da Universidade Metodista de São Paulo. Atua como consultor para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios e como conselheiro na Fundação Abrinq, Instituto Polis, Transparência Brasil e Conselho da Comunidade Solidária