segunda-feira, 4 de abril de 2011

De como se constitui a questão da produção de sentido

De como se constitui a questão da produção de sentido
Reflexões contemporâneas afirmam que a construção de sentidos, seja pela fala, escrita ou leitura, está diretamente relacionada às atividades discursivas e às práticas sociais às quais os sujeitos têm acesso ao longo de seu processo de socialização.
As atividades discursivas podem ser compreendidas como as ações de enunciação que representam o assunto que é objeto da interlocução e orientam a interação. A construção das atividades discursivas dá-se no espaço das práticas discursivas, ou seja, no âmbito de ações de um nível mais geral e orientadas socialmente. Essas ações são determinadas, de um lado, por práticas e maneiras de fazer sentido, do outro, por formas de tirar sentido da linguagem, de uma dada comunidade social.
O fato de que os alunos têm sido vistos com freqüência como aqueles que não sabem falar e escrever, ou ainda, que os professores estejam sendo tachados, também comumente, como profissionais que não conseguem levar seus alunos a conhecerem bem sua língua, remete já às diferenças nos estilos comunicativos. A diversidade de estilos, no entanto, tem sido vinculada à imagem da incapacidade que teriam professores e alunos.
A partir dessa maneira de encararmos a questão, a distinção entre o desenvolvimento do aluno como indivíduo letrado e seu processo de escolarização é explícita e fundamental.
Em outras palavras, estou propondo que enfatizemos as práticas discursivas de leitura e escrita como fenômenos sociais, que ultrapassam os limites da escola. Parto do princípio de que o trabalho realizado por meio da leitura e produção de textos, muito mais que decifração/transcrição de signos lingüísticos, é de construção de significação e atribuição de sentido mediante não apenas os elementos lingüísticos: essas são atividades culturais. Pressuponho, também, que a leitura e a escrita são atividades dialógicas, e que a imagem mútua dos interlocutores é um elemento crucial para os processos que se realizam na interlocução. Acredito ainda que os eventos ligados à escrita devem ser vistos como dinâmicos, e que, em decorrência da atribuição recíproca de imagens pelos interlocutores que aí se constituem, sejam eles reais ou virtuais, há a negociação ou não dos sentidos.
Estou adotando, tal como Kleiman (1993, p.3), a visão de que o processo de letramento é constituído por “práticas e eventos relacionados ao uso, função e impacto da escrita na sociedade”, segundo a qual a leitura e a escrita realizada pelos alunos é orientada não apenas pelo processo de escolarização, mas também pela experiência prévia e/ou exterior à escola.
Este ponto de vista, que demanda uma mudança de postura e acarreta muito trabalho, pode vir a reduzir alguns dos conflitos entre professores e alunos, entre a demanda social e a demanda escolar: ao menos porque a diferença não será vista como deficiência.
Adotar esse ponto de partida nos leva, também, a ampliar o espaço para o trabalho com leitura e escrita para além das aulas de português.
O foco de meu interesse aqui, como se vê, não é o processo de ensino e aprendizagem de palavra escrita em si, o aspecto técnico, mas a relação entre o conhecimento da palavra escrita e a escolarização. Neste sentido, é fundamental termos em mente que ensinar não é a mesma coisa que aprender, pois são processos diferentes, o primeiro dos quais permite uma avaliação explícita, porque é feito para o outro, o segundo realizado internamente, sem que se possa categorizar diretamente os processos pelos quais se dá.

Matencio, M de L. M. Leitura, produção de textos e a escola. Campinas: Mercado das Letras, 1994. p.17-19.

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